Datas extremas de atividade

O estabelecimento de um tribunal sobre os hospitais, capelas, albergarias e confrarias na cidade de Lisboa e seu termo resultou de uma comissão régia concedida ao mestre-escola e cónego olisiponense Estêvão Martins, identificada pela primeira vez em inícios de 1493, no culminar de uma evolução institucional com raízes nas reformas das instituições pias do reino levadas a cabo pelos reis de Portugal desde D. Duarte até D. Manuel I1As diversas reformas das instituições pias do reino levadas a cabo durante estes reinados foram objeto de um estudo detalhado e crítico das fontes utilizadas em Rosa, 2012, pp. 168-243.. Em estreita ligação com a sua «provedoria», Estêvão Martins foi secundado nesse juízo, desde pelo menos 1498, por um conjunto de desembargadores «deputados», ou seja, expressamente comissionados para o efeito pelo monarca2Rosa, 2012, p. 276-280, especificamente p. 277..

A sua morte em 1506 e a nomeação do seu sucessor contribuiu para a reconfiguração do julgado, passando o novo provedor Rui Lopes a dirimir sozinho os feitos apresentados em juízo. Segundo o rei, esta situação seria transitória, até à nomeação de letrados para despacharem os feitos do juízo com o referido provedor. Foi preciso esperar até 1510, para que D. Manuel restituísse o julgamento coletivo dos feitos apresentado ao Juízo. A configuração coletiva deste tribunal manteve-se operacional, pelo menos, até à morte do rei em 15213Parágrafo baseado em Rosa, 2012, p. 276-280, 282-288, fonte na qual se podem colher os devidos abonos documentais e as microbiografias dos referidos magistrados..

A extinção deste tribunal foi decretada em alvará de 4 de dezembro de 15644Rosa, 2012, p. 283, nota 426; Livro I do Registo Geral (TT, Hospital de São José, liv. 940, fl. 248-248v), recopiado na “Reforma” do livro anterior, intitulado Livro de Registo Geral do Hospital de Todos-os-Santos. Cópia dos Diplomas Registados no Iivro 1 (1501-1606) do Registo Geral. Reforma do Século XVIII (TT, Hospital de S. José, liv. 1116, fl. 322v-324v). O livro com a cota nº 940 é um códice de registo em papel – aparentando uma unidade codicológica única desde a sua criação e sem indicação de reunião posterior de cadernos – de uso dos escrivães/escrivães da Fazenda do Hospital, sem data atribuída pelos arquivistas da Torre do Tombo,  que reúne traslados de documentos normativos vários, de 1501 a 1606, fazendo parte de uma série de documentação afim, atualmente intitulada “Registo geral”. Na sua grande maioria, estes traslados encontram-se certificados pelo escrivão do Hospital em data geralmente próxima do original e, em momento que não é possível precisar, cada fólio foi autenticado pela aposição de uma assinatura (“Joam de Santar?” nos fols. 5-336 e “Çellema” nos fols. 337-436). A ausência de folha de rosto e de termos de abertura e encerramento não permite uma melhor identificação da natureza da sua produção administrativa. Porém, como muitos dos documentos legislativos, normativos e regulamentares relativos ao Hospital e instituições associadas são apenas conhecidas através desta série de livros, ela será por isso aqui utilizada, sendo por isso feita a presente salvaguarda..

Documentos normativos (principais)

  • Legislação avulsa referente à composição e atribuições dos membros do Juízo (1496-1520), a qual se encontra dispersa por diversos fundos em virtude da inexistência de um arquivo pertencente à referida instituição5Legislação recenseada em Rosa, 2012, p. 701-705, Quadro II.;
  • Regimento das capelas e dos hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e do seu termo, em carta enviada ao provedor Estêvão Martins e aos provedores presentes e futuros, datada 14 de janeiro de 15046Título atribuído ao R1504 pelos mais recentes editores em PMM3, p. 107-118. ;
  • Regimento do Juiz dos Feitos das Misericórdia e Hospital de Todos-os-Santos de 18 de dezembro de 1565, o qual contém uma cláusula inibitória para que este oficial não tomasse contas e conhecimento dos processos e relativos às capelas da cidade de Lisboa e seu termo, mais tarde integrada nas Ordenações Filipinas7OF, liv. 1, tit. 16, §5..

Competências

Em virtude das suas funções judiciais, as atribuições dos magistrados do Juízo dos hospitais, capelas, albergarias e confrarias da cidade de Lisboa e seu termo não se confundiam com as competências de natureza administrativa pertencentes aos Provedores dos hospitais e capelas, ainda que as duas instituições andassem por vezes congregadas num mesmo indivíduo (veja-se a ficha Provedoria dos hospitais, capelas, albergarias e confrarias da cidade de Lisboa e termo, ponto “Competências”).

O referido julgado tinha as seguintes competências:

  • Julgar processos sobre capelas, hospitais, albergarias e confrarias fundadas na cidade e termo de Lisboa; bens de capelas, morgadios, testamentos e encargos pios alienados; propriedades, inclusivamente das capelas anexas ao Hospital de Todos os Santos12Rosa, 2012, p. 701-702, Quadro II.; resíduos e execução de testamentos na cidade e termo de Lisboa13De acordo com alvará de 4 de Dezembro de 1564..
  • Autorizar a  elaboração dos contratos de locação (que haviam sido objeto de sentença da sua parte)14Veja-se a carta régia de  27 de janeiro de 1507. Rosa, 2012, p. 702, Quadro II.;
  • Auditar as contas dos administradores suspensos das capelas anexas ao hospital de Todos os Santos15Vejam-se as cartas régias de  27 de janeiro de 1507 e de 15 de Julho de 1510. Rosa, 2012, p. 702-703, Quadro II..

Orgânica da instituição e funções dos seus agentes em temática vincular

Orgânica da instituição

A magistratura do Juízo, alternando entre configurações individual (juiz) ou coletivas (juiz e desembargadores «deputados»), encontrava-se no topo de um corpo de oficiais destinado a assegurar o funcionamento quotidiano da instituição, formado por um solicitador, um porteiro e escrivães23Rosa, 2012, 229-231, 276, 280-282..

As funções dos seus agentes

O juiz dos hospitais, capelas, albergarias e confrarias de Lisboa e seu termo
As competências deste magistrado centravam-se nas seguintes atividades:

  • Julgar os processos respeitantes às capelas e instituições pias da cidade de Lisboa e no seu termo, nomeadamente em termos dos pleitos de ordem patrimonial respeitantes às referidas instituições24Rosa, 2012, p. 701-702, Quadro II..
  • Participar na comissão responsável por fixar os foros dos contratos de locações dos respetivos bens patrimoniais25Rosa, 2012, p. 281..

Os desembargadores «deputados»
As funções dos desembargadores comissionados pelo rei (nos períodos de 1498-1506 e a partir de 1510) não se distinguiam das atribuídas ao  juiz dos hospitais, capelas, albergarias e confrarias de Lisboa e seu termo, pois ambos integravam o Juízo que sentenciava os feitos sobre as capelas e instituições pias da cidade e termo de Lisboa.

O alvará de 4 de Dezembro de 1564 prova que, nessa altura, os desembargadores se tinham anteriormente «especializado» do julgamento dos processos sobre os resíduos e a execução dos testamentos na cidade e termo de Lisboa26Copiado no Livro I do Registo Geral (TT, Hospital de São José, liv. 940, fl. 248-248v) e no Livro de Registo Geral do Hospital de Todos-os-Santos. Cópia dos Diplomas Registados no Iivro 1 (1501-1606) do Registo Geral. Reforma do Século XVIII (TT, Hospital de S. José, liv. 1116, fl. 322v-324v)..

O porteiro das capelas
O porteiro dos hospitais tinha a responsabilidade de apregoar os bens das capelas e instituições pias da cidade de Lisboa e termo que estivessem disponíveis para locação, uma competência expressa na documentação, a partir de 1494, e que permanece durante o reinado de D. Manuel I27Rosa, 2012, p. 231..

O escrivão das capelas
Competia a este agente da escrita a escrituração dos contratos de aforamento e emprazamento passados na audiência do provedor e do juiz Estêvão Martins, sem referência a qualquer mandado especial do rei, nos documentos redigidos a partir de 149428Rosa, 2012, p. 231.. A escrivaninha dos «hospitais e capelas» permaneceu ao longo do reinado de D. Manuel I nas mãos de Martim de Castro, o que limitou porventura a contribuição de outros escrivães para assegurar a burocracia do referido julgado29Rosa, 2012, p. 282, 348..

Relações com outras instituições sobre temática vincular

O alvará de extinção do Juízo revela que a magistratura de juiz das capelas, hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e seu termo andava então «anexa» ao ofício de ouvidor do Hospital de Todos os Santos, na sequência, aliás, da sua assunção por oficiais desse Hospital, no âmbito de uma prática atestada desde o final do reinado joanino e durante o governo do seu sucessor30Rosa, 2012, p. 286-288..

A jurisdição do Juízo dos Hospitais e Capelas foi exercida sem direito de apelação durante o magistério de Estêvão Martins entre 1493 e 1506. Importa sublinhar que essa autonomia não foi isenta de atritos com os tribunais centrais, a julgar pelos alvarás régios destinados a proibir os desembargadores e juízes das Casas da Suplicação e do Cível (1499), assim como o regedor da Casa do Cível (1501), de se imiscuírem nos processos sentenciados pelos membros do Juízo31De acordo com cartas régias de 10 de Abril de 1499 e 25 de Fevereiro de 1501. Cf. Rosa, 2012, p. 279-280.. A partir de 1506, as decisões do Juízo foram passíveis de recurso para a Casa da Suplicação, até que D. Manuel reintroduziu novos desembargadores «deputados» em 1510, os quais passaram a sentenciar processos sem apelação nem agravo para a Casa da Suplicação32Vejam-se as cartas régias de 8 de Dezembro de 1506, de 7 de Maio de 1507 e de 15 de Julho de 1510 e o seu enquadramento em Rosa, 2012, p. 280, 284, 286-287.. A impossibilidade de apelação mantinha-se ainda à data da extinção do referido Juízo33Segundo alvará do cardeal D. Henrique, datado de 4 de dezembro de 1564, transcrito no Livro I do Registo Geral (TT, Hospital de São José, liv. 940, fl. 248-248v) e no Livro de Registo Geral do Hospital de Todos-os-Santos. Cópia dos Diplomas Registados no Iivro 1 (1501-1606) do Registo Geral. Reforma do Século XVIII (TT, Hospital de S. José, liv. 1116, fl. 322v-324v)..