Datas extremas de atividade

As formas de vida consagrada, institucionalizadas em Ordens durante o Antigo Regime, dividem-se em cinco grupos:  as monásticas, canónicas, mendicantes e as monástico-militares atuantes desde o período medieval, às quais se juntaram as «famílias» de clérigos regulares no período moderno1Fontes; Serra e Andrade, 2010, p. 40; Franco, 2007, p. 261; Franco; Mourão e Gomes, 2010; Franco e Abreu, 2014; Campos, 2017..

Ordens monásticas
As primeiras evidências de vida monástica no atual território português datam dos meados do séc. VI. A desorganização eclesiástica ocorrida sob domínio muçulmano e até ao período da Reconquista caucionou a manutenção de diversas experiências monásticas, mais ou menos de criação espontânea, em torno de comunidades ligadas às famílias fundacionais ou comunidades dúplices com proximidade variável da hierarquia episcopal. Com a expansão da reforma apostólica no século XI, muitos dos anteriores mosteiros desaparecem ou foram transformados em igrejas, ao mesmo tempo que se assistiu ao desenvolvimento de comunidades eremíticas no norte do espaço portucalense. Estas últimas  viriam a adotar os costumes beneditinos, antes do seu desaparecimento ou absorção, ao longo do século XII, pelas ordens de Cister e por ordens ligadas à forma de vida canónica como os Cónegos Regulares de Santo Agostinho ou os Premonstratenses. O vigor que estas ordens monásticas beneficiaram junto dos fiéis durante a Reconquista decresceu pela implantação das Ordens mendicantes e pela crise social e económica que afetou a Cristandade no século XIV. O aumento de movimentos em torno de experiências religiosas mais rigorosas, no século seguinte, originou a fundação de novas ordens monásticas como a de São Paulo Primeiro Eremita (Paulistas), de São Jerónimo (Jerónimos), cuja promoção da ideia de fuga do mundo e a renúncia material atraiu muitos leigos e clérigos. As disposições do Concílio de Trento sobre a reorganização da vida monástica estabeleceram uma estrutura centralizada em congregações, a qual vigorou até à extinção das ordens religiosas em 18342Parágrafo baseado em Mattoso, 2000a, p. 255-258; Mattoso, 2016; Silva, 2000, p. 233..

Ordens canónicas
A vida de forma canónica iniciou-se no século VIII no seio de comunidades de clérigos adscritos ao serviço diocesano sob jurisdição do bispo, mas que se identificavam com os ideais das primitivas comunidades cristãs em termos da vivência em comum e do exercício pastoral.  As instituições canónicas foram reformadas no século XI com a adoção da regra de Santo Agostinho. Estas fizeram a sua entrada no reino de Portugal na centúria seguinte, destacando-se pela sua abrangência e importância a Ordem dos Cónegos Regulares de Santo Agostinho, apesar da presença concomitante das Ordens dos Premonstratenses e dos Cónegos do Santo Sepulcro. No final da Idade Média, o reino português acolheu igualmente os Cónegos Regrantes de Santo Antão (particularmente vocacionados para a assistência) e a Congregação dos Cónegos de São João Evangelista (Loios). Com a  exceção desta última, as ordens desta forma de vida evoluíram no período moderno para formulações hierárquicas mais definidas sob a forma de congregações, as quais se mantiveram até à extinção das ordens religiosas em Portugal em 18343Parágrafo baseado em Azevedo, 2016; Silva, 2000, p. 233..

Ordens mendicantes
As ordens mendicantes (Ordem dos Frades Menores ou Franciscanos, Ordem dos Pregadores ou Dominicanos, Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho ou Agostinhos e Ordem do Carmo ou Carmelitas) nasceram no século XIII, de acordo com um ideário ligado à pobreza comunitária, ao apostolado e à missionação. No século XVII, a agregação de Trinitários e de Mercedários acresceu ao conjunto de ordens ligada a esta forma de vida, já por esta altura bastante diversificada em virtude do entendimento diverso dado à pobreza no seio da Ordem franciscana entre espirituais e fraticelos. Tal como as instituições das restantes formas de vida, as ordens mendicantes foram extintas no território português em 18344Parágrafo baseado em Fonseca, 2000, p. 334-337; Azevedo, 2016; Silva, 2000, p. 233..

Ordens monástico-militares
As ordens militares surgiram no século XII na sequência da reforma eclesiástica então em curso, da promoção do movimento de Cruzada e do auxílio e proteção prestados aos peregrinos que se dirigiam à Terra Santa. Constituídas em ordens internacionais como os Templários e os Hospitalários, a presença muçulmana permitiu a inserção precoce destas últimas no espaço ibérico, em paralelo com fundações de matriz peninsular (Ordens de Santiago e de Avis) emanadas de anteriores grupos de cavaleiros organizados em confrarias. As Ordens militares em Portugal perduraram até à sua extinção em 1834, transformando-se posteriormente em ordens honoríficas5Parágrafo baseado em Fonseca, 2000, p. 334-337; Azevedo, 2016; Silva, 2000, p. 233..

Ordens de Clérigos regulares
Com raízes nos cónegos regulares do período medieval, as ordens de clérigos regulares conhecidas como a Companhia de Jesus (Jesuítas), os Clérigos Regulares de São Paulo (Barnabitas), a Ordem dos Clérigos Regulares (Teatinos) ou os Clérigos Regulares de Somasca (Somascos) ou Oratorianos surgiram, ao longo do século XVI, como uma resposta à Reforma Protestante e aos desafios colocados à missionação de espaços geográficos ultramarinos6Parágrafo baseado em Barbosa, 2000, p. 355-356.. À semelhança das anteriores, também estas Ordens foram extintas em 18347Parágrafo baseado em Fonseca, 2000, p. 334-337; Azevedo, 2016; Silva, 2000, p. 233..

Documentos normativos (principais)

Ordens monásticas

  • Costumeiro de Pombeiro, datado do séc. XIII8Ed. Costumeiro, 1997.;
  • Privilégios da Congregação de São Bento portuguesa, editados em 15899Ed. Privilegia, 1589.;
  • Constituições da Ordem de São Bento, publicadas em 159010Ed. Constitvçoens da Ordem de Sam Bento, 1590.;
  • Definições da Congregação de Nossa Senhora de Alcobaça, editadas em 159311Ed. Diffiniçoens, 1593.;
  • Constituições dos Eremitas da Serra de Ossa, publicadas em 159412Ed. Livro da Regra, 1594.;

 

Ordens canónicas

  • Constituições do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, publicadas em 153213Ed. Livro das constituições, 1532.;
  • Estatutos e constituições dos Cónegos Azuis (Loios), editados em 154014Ed. Statutos e constituyçoes, 1540.;
  • Regra de Santo Agostinho e constituições da Congregação dos Cónegos Regulares de Santo Agostinho, editadas c. 156115Ed. Regra do bem aventurado, 1561.;
  • Atas dos capítulos do mosteiro de Santa Cruz, datados do séc. XVI16Ed. Actas, 1946.;

 

Ordens mendicantes

  • Atas de capítulos da Ordem do Carmo, datados entre 1318 e 190217Ed. Acta capitulorum, 1912-1914.;
  • Constituições do mosteiro de Jesus, datadas do século XV18Ed. Constituições Jesus, 1951.;
  • Atas de capítulos provinciais da Ordem de São Domingos em Portugal, datados de 1567-159119Ed. Rosário, 1977.;
  • Privilégios da Ordem da Santíssima Trindade, editados em 157220Ed. Instituição & summario, 1572.;
  • Constituições da Ordem dos Frades Eremitas, publicadas em 158221Ed. Constitutiones Ordinis, 1582.;
  • Constituições dos Frades da Santíssima Trindade, editadas em 159122Ed. Constitutiones fratrum, 1591.;
  • Regra de Santa Clara, editada em 159123Ed. Regra da bemauenturada, 1591.;
  • Regras e constituições da Ordem de Santa Clara, editadas em 160924Ed. Regra e constituições, 1609.;

 

Ordens monástico-militares

  • Definições da Ordem de Calatrava, datadas de 146825Ed. Dias, 2006, p. 111-142.;
  • Estatutos da Ordem de Avis elaborados em Capítulo Geral, elaborados em 150326Ed. Estatutos, 1503.;
  • Regimento das visitações da Ordem de Santiago, datado de 150927Ed. Barbosa, 1998, p. 260-269.;
  • Regra e statutus da hordem Davis, publicados em 151628Ed. Regra e statutus, 1516.;
  • Regimento de visitadores [da Ordem de Avis] (1516) (integrado na Regra e statutus da hordem Davis (1516)29Ed. Ferreira, 2004, vol. 2, p. 68-89, doc. B.;
  • Definições e Estatutos dos Cavalleiros & Freires da Ordem de N. S. Iesu Christo, com a história da origem & princípio della, publicadas em 162830Ed. Definições, 1628.;
  • Regra da cavalaria e Ordem Militar de S. Bento de Avis, elaborado por Dom Carlos de Noronha em 163131Ed. Noronha, 1631.;
  • Regimento dos visitadores [da Ordem de Avis], datado de 163132Integrado em Noronha, 1631, fl. 133-153v  e sumariado em Ferreira, 2004,  vol. 1, p. 68-79.;
  • Definiçoens e Estatutos dos Cavalleiros e Freires da Ordem de Nosso Senhor Iesu Christo com a Historia da Origem & principio dela, publicada em 167133Ed. Definições, 1671.;

 

Ordens de clérigos regulares

  • Formula Instituti, redigidas por São Inácio de Loyola, em 1539 e aprovadas pelos papas Paulo III em 1540 e Júlio III em 155034Ed. em tradução portuguesa em Constituições da Companhia, 2004, p. 29-36.;
  • Constituições da Companhia de Jesus, redigidas por São Inácio de Loyola e editadas em 155835Ed. em tradução portuguesa em Constituições da Companhia, 2004, p. 45-223.;

Competências

Gerais

O clero regular adscrito ao cumprimento de uma regra monástica tinha como missão principal o servir a Deus através de uma vida de contemplação e de introspeção, vivida de forma estável no interior de um mosteiro e separada do mundo45Chorão, 2000, p. 274..

Os cónegos regulares e os frades mendicantes tinham por função o apostolado nos meios urbanos através de uma vivência em comum e da pobreza individual, sem as preocupações ascéticas da vida monástica46Azevedo, 2016, p. 173..

Os freires das Ordens militares tinham por missão primordial a guerra contra os inimigos dos seguidores de Cristo e a promoção da fé católica47Fonseca, 2000, p. 335..

Os clérigos regulares pretendiam alcançar uma maior perfeição da vila religiosa ao aliar a vocação clerical de pregação, apostolado, educação cristã, administração sacramental e direção de consciências com a condição presbiterial da proclamação de votos solenes e da vida sob uma regra aprovada pelo papa48Parágrafo baseado em Barbosa, 2000, p. 355-356..

Matéria vincular

Em virtude da vocação monástica em torno de uma vivência «para dentro» do mosteiro, as ordens monásticas tradicionais (Beneditinos, Cistercienses) foram avessas à constituição de capelas votivas no seio das suas igrejas. As regras e constituições cistercienses, organizadas no século XII, previam que as igrejas da Ordem fossem providas de capelas com altar em número suficiente para a celebração litúrgica quotidiana pelos membros da comunidade, uma vez que cada altar existente na igreja cisterciense só poderia ser usado para a missa uma vez por dia49Serbat, 1910, p. 374-375..

As ordens monásticas fundadas a partir de finais do século XIV acabaram por contrapor essa limitação com a possibilidade das suas igrejas acolherem capelas instituídas por membros das elites ligadas às corporações assistenciais aí estabelecidas e identificadas com as opções devocionais promovidas no seio destas novas ordens50Rosa, 2012, p. 375; Gomes, 2009, p. 44-45..

As ordens canónicas, ao compatibilizar o seguimento de uma regra monástica com o apostolado urbano, acolheram múltiplas instituições de capelas por parte dos fiéis51Rosa, 2012, p. 374, 707-709..

Ao especializarem-se neste último, as elites urbanas fizeram, das igrejas dos conventos mendicantes e dos colégios jesuítas, espaços de implantação de capelas vinculadas52Rosa, 2012, p. 374, 707-709; Mota, 2017, p. 124..

Apesar da normativa das Ordens monástico-militares ser parca em informações sobre as capelas instituídas nas suas igrejas, as  definições de  Calatrava (1468) obrigavam que os membros da Ordem pudessem fazer capelas somente nas igrejas onde recebessem os sacramentos53Ed. Dias, 2006, p. 120..

Orgânica da instituição e funções dos seus agentes em temática vincular

Orgânica da instituição

As instituições monásticas eram compostas por um abade para os mosteiros masculinos e abadessa para os femininos, os quais exerciam a sua jurisdição sobre um convento constituído por monges/monjas responsáveis por tarefas específicas (ovenças) e pela restante comunidade monacal. Esta última partilhava o interior da cerca monástica com o conjunto de noviços ou noviças e com diversos oficiais responsáveis pelo funcionamento quotidiano do espaço monástico64Coelho, 1977, p. 63–64..

As instituições canónicas eram compostas por um prior no caso dos mosteiros masculinos e prioresa nos mosteiros femininos, os quais exerciam a sua jurisdição sobre um convento constituído por cónegos/donas responsáveis por tarefas específicas (ovenças) e pela restante comunidade monacal. Esta última partilhava o espaço conventual com o conjunto de  noviços ou noviças e com diversos oficiais responsáveis pelo funcionamento quotidiano do espaço monástico65Azevedo, 2016, p. 171..

As Ordens mendicantes eram dirigidas por um geral (Mestre, Ministro ou Prior) que exercia a sua tutela sobre os provinciais, responsáveis pela agregação dos conventos encabeçados por um superior no caso dos conventos masculinos (guardião nos franciscano ou prior nos dominicanos; abadessa nas clarissas e prioresa nas dominicanas) e por uma comunidade masculina de frades ou feminina de donas66Araújo, 2016, p. 254.

As Ordens militares definiam-se como instituições hierarquizadas em torno de um chefe geralmente designado de Mestre, auxiliado por diversas dignidades (comendador-mor, comendadores, prior, subprior, sacristães, entre outros) que enquadravam o grupo de freires cavaleiros, freires clérigos e conversos67Fonseca, 2000, p. 335..

As Ordens de clérigos regulares eram formadas geralmente por um superior geral eleito por uma assembleia colegial que supervisionava uma congregação divididas em províncias chefiadas por um provincial  e composta por membros com tipologias variadas68Moulin, 1967, p. 81-82..

As funções dos seus agentes

As ordens religiosas não dispunham de nenhum oficial responsável por assuntos de cariz vincular. Os assuntos relacionados com a administração de bens vinculados não beneficiaram de uma normativa específica, pelo que os resquícios da sua existência são ténues na normativa produzida, para além da sua inclusão em prescrições no âmbito de um dos mecanismo de correção e de regulação existente nas diversas ordens religiosas chamado visitação canónica69Sobre a evolução histórica deste mecanismo e a sua aplicação às diferentes tipologias de ordens, veja-se Baccabère, 1965; Oberste, 1996; Gomes, 1998; Cabral, 2016, p. 21-29..

Cabendo nas competências do visitador a verificação e a correção da forma como os prelados de cada casa administravam os respetivos espaços e património70Alden, 1996, p. 247; Cabral, 2016, p. 97, 133-134., só se descortina o tratamento deste assunto específico nos regimentos de visitação criados no seio da Ordens militares:

  • O regimento da Ordem de Avis de 1631 obriga o visitador a inquirir sobre as capelas do convento da Ordem, a verificar o registo em tombo do respetivo património e a inspecionar os livros, testamentos e instituições das capelas71Noronha, 1631, tit. 6, reg. 1, fl. 135v..
  • No caso da Ordem de Cristo, o visitador deveria perguntar aos comendadores, cavaleiros e freires, aquando da visitação, se fizeram capelas sem licença da Ordem e em lugar pertencente à Ordem72Definições, 1628, parte 2, tit. 9, p. 200; Definições, 1671, Parte 3, tit. 9, art. 6, p. 114., o que implica que a sua edificação estivesse dependente da referida autorização.
  • No caso das Ordens de Santiago e Avis, o visitador era obrigado a visitar as capelas, de forma a verificar os respetivos bens e o cumprimento das respetivas obrigações litúrgicas (Santiago 1509, Avis 1516, 1631)73Ed. Barbosa, 1998, p. 268; Ferreira, 2004, vol. 2, p. 82; Noronha, 1631, tit. 6, reg. 2, fl. 139v..

Relações com outras instituições sobre temática vincular

As comunidades monásticas, canónicas, mendicantes e monástico-conventuais relacionavam-se com os capelães que serviam e os administradores que geriam as capelas instituídas no espaço das suas igrejas, nomeadamente em torno do exercício de uma vigilância sobre o cumprimento das disposições estabelecidas pelos fundadores74Rosa, 2012, p. 584..