Datas extremas de atividade

O estabelecimento de instituições de assistência no território português, fundados por particulares ou associados a casas religiosas e a confrarias, teve o seu início no século XII e prolongou-se nas centúrias seguintes1Tavares, 2000, p. 136-137.. O hospital vocacionado para acolher doentes e propiciar-lhes cuidados médicos continuados surgiu somente nos finais da Idade Média, cabendo aos reis D. João II e D. Manuel I a fundação de hospitais régios no âmbito da reforma das instituições pias do reino, dos quais o exemplo mais precoce foi o hospital de Todos os Santos em Lisboa2Sobre os contornos dessa reforma, veja-se Rosa, 2012, p. 221-225..  Autorizado por autoridade pontifícia em 1479 e com a primeira pedra do seu edifício lançada a 15 de maio de 1492, este já se encontrava em funcionamento em 1501 ou 15023Informação baseada em Ramos, 2019, p. 49-50, 53.. Dotado de um pessoal médico especializado e com um património oriundo em parte das instituições assistenciais que lhes precederam4Veja-se sobre esta «padronização hospitalar», Abreu, 1996, p. 294-295., o hospital de Todos os Santos permaneceu o modelo de hospital moderno em Portugal, mesmo depois da destruição das suas instalações em 1755 e da consequente transferência das pessoas aí hospitalizadas para o antigo colégio de Santo Antão, com a consequente modificação do seu nome para Real Hospital de São José5Informação baseada em Pacheco, 2008, p. L-LI, 101, 176..

Documentos normativos (principais)

  • Regimento dos hospitais e albergarias de Évora, datado de 12 de maio de 14706Ed. Gusmão, 1958, vol. 1, p. 176-183.;
  • Regimento do Hospital de Todos os Santos, datado de 15047Ed. PMM3, p. 75-107.;
  • Regimento do Juiz dos Feitos das Misericórdia e Hospital de Todos-os-Santos, datado de 18 de dezembro de 1565, no qual se detalha, entre outros aspetos, as competências da instituição sobre as capelas do Hospital8Ed. PMM4, p. 98-99..
  • Ordenações Filipinas (c. 1604), com um título específico sobre o Juiz dos feitos da Misericórdia e Hospital de Todos os Santos de Lisboa, correspondente ao Regimento supracitado de 18 de dezembro de 15659OF, liv. 1, tit. 16, §1-7..

Competências

Gerais

Hospitais, albergarias, mercearias e gafarias destinavam-se, em termos genéricos, a providenciar assistência a viajantes, meninos abandonados e indigentes. A historiografia tem vindo a sublinhar a ligação dos hospitais a um acolhimento de maior duração, eventualmente com a possibilidade de satisfação de cuidados médicos, ao passo que as albergarias destinar-se-iam a um acolhimento mais temporário20Sá, 1996, p. 87-88.. A partir do século XVI, a fundação de hospitais régios consolidou a vocação médica da instituição, interrompendo a medieval «indefinição espacial entre doentes pobres e peregrinos»21Sá, 2000, p. 141.. No caso das gafarias, esse acolhimento tornou-se tendencialmente permanente, funcionando essas instituições como locais de internamento de pestíferos22Tavares, 1989, p. 125.. Quanto às mercearias, a sua vocação primordial seria o alojamento e a manutenção de homens e de mulheres honradas que caíram em pobreza, geralmente avançados/as na idade, contra a satisfação de um conjunto de obrigações de sufrágio das almas23Sá, 1995, p. 221..

Matéria vincular

Muitos hospitais dispunham de um espaço específico de culto (oratório e capelas), onde se desenrolavam as cerimónias litúrgicas destinadas à salvação das almas dos seus beneficiários24Tavares, 1973, p. 399; Rocha, 2019, p. 290, 302, 395-396..

Tais instituições não tiveram a vocação específica de gerir bens vinculados em capela e em morgadio. Contudo, com a padronização hospitalar dos finais do século XV e dos inícios da centúria seguinte, alguns dos hospitais que resistiram à alienação tornaram-se administradores do património de capelas e de hospitais e albergarias entretanto extintas, à semelhança do hospital do Espírito Santo de Santarém25Abreu, 1996, p. 295-296.. Deteta-se o mesmo processo no caso dos «hospitais gerais» entretanto criados, com destaque para o caso do hospital de Todos os Santos de Lisboa.

Este último foi incumbido (1) da administração de capelas e dos respeitos encargos litúrgicos, assim como recebeu (2) o direito de recolher o valor dos legados pios não cumpridos na cidade e depois arcebispado de Lisboa, dos quais faziam parte as missas estabelecidas aquando da instituição de capelas:

(1) No que respeita à administração de capelas, o rei D. Manuel concedeu ao Hospital em 1499 e em 1500 a possibilidade de anexar as capelas e confrarias situadas na cidade de Lisboa, no seu termo e nos lugares da comarca confrontantes com a cidade, desde que não se conhecesse a carta de instituição e os respetivos encargos litúrgicos. Em 1503, essas doações foram alargadas às capelas, situadas nesse mesmo território, que não tivessem administrador26Informações baseadas em Rosa, 2012, p. 278-279 e Ramos, 2019, p. 52.. A resolução das causas sobre essas capelas pertencia à jurisdição do ouvidor do Hospital de Todos os Santos, até à passagem da tutela desta instituição em 1564 para a Misericórdia de Lisboa27Ed. PMM4, p. 98. A jurisdição do provedor sobre as capelas administradas pelo Hospital é analisada para o período entre 1506 e 1521 em Rosa, 2012, p. 284-286.. Doravante, o provedor e os irmãos desta última passaram a dispor do direito de preferência na administração de qualquer capela de provimento régio na cidade e termo de Lisboa, enquanto as causas sobre as capelas do Hospital passaram a ser dirimidas pelo Juiz dos Feitos das Misericórdia e Hospital de Todos-os-Santos28Cf. o seu Regimento, datado de 18 de dezembro de 1565, ed. PMM4, p. 98..

(2) O Hospital de Todos os Santos recebeu, em 1545, o direito de recolher os legados pios não cumpridos na cidade de Lisboa que não fossem executados no tempo prescrito pelos testadores, uma concessão alargada a toda a diocese por disposição do papa Clemente VIII em 1598.  Por não se terem cumprido as determinações pontifícias, o monarca enviou carta, datada de 22 de maio de 1685, aos provedores das comarcas do arcebispado olisiponense, para que estes providenciassem à execução dos legados não cumpridos que competiam ao Hospital de Todos os Santos. Em 1761, com esse propósito, foi elaborado um regulamento para a execução desses legados nas comarcas de Alenquer, Santarém, Setúbal e Torres Vedras, as «quatro comarcas do patriarcado»29As informações constantes deste parágrafo basearam-se em Ramos, 2019, p. 141-142, 145-147..

Orgânica da instituição e funções dos seus agentes em temática vincular

Orgânica da instituição

As instituições de assistência dispunham de uma orgânica simples, em torno de um responsável pelo respetivo funcionamento designado geralmente de provedor e de um capelão, obrigado a satisfazer os encargos litúrgicos em favor dos instituidores e beneficiários35Rocha, 2019, p. 71, 76, 351, 387-388, 489..

Os hospitais «régios», como o de Todos os Santos de Lisboa, dispunha de uma orgânica bastante mais complexa, a qual é conhecida nos seus contornos globais36Sobre os diferentes oficiais do Hospital de Todos os Santos, veja-se Silva, 2015, p. 1341-1346..

As funções dos seus agentes

Provedor do Hospital de Todos os Santos
De acordo com o Regimento das capelas e dos hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e do seu termo (1504), o provedor foi responsável pela elaboração de um compromisso, o qual devia conter a declaração de todos os hospitais,  de todas as obrigações das capelas e de todos os encargos de merceeiros anexos ao Hospital de Todos-os-Santos, segundo as disposições dos compromissos existentes para cada uma dessas instituições37Ed. PMM3, p. 85..

De igual modo, competia-lhe auditar as contas dos administradores suspensos das capelas anexas ao Hospital38Informações constantes da carta régia que lhe é dirigida em 27 de janeiro de 1507, sobre os limites da sua jurisdição sobre as referidas capelas. Ver Rosa, 2012, p. 287, nota 445 e p. 702..

Ouvidor do Hospital de Todos os Santos
Até à extinção deste ofício, em 1564, competia ao ouvidor do Hospital de Todos os Santos julgar os feitos sobre as capelas da cidade e termo de Lisboa39Segundo alvará do cardeal D. Henrique, datado de 4 de dezembro de 1564, o qual se encontra inédito, transcrito no Livro I do Registo Geral (TT, Hospital de São José, liv. 940, fl. 248-248v) e  no Livro de Registo Geral do Hospital de Todos-os-Santos. Cópia dos Diplomas Registados no Iivro 1 (1501-1606) do Registo Geral. Reforma do Século XVIII (TT, Hospital de S. José, liv. 1116, fl. 322v-324v)..

Relações com outras instituições sobre temática vincular

Os hospitais podiam ser administrados pelo rei e pelos Concelhos – como se verifica nos casos mais conhecidos de Lisboa, Porto e  Coimbra40Rocha, 2019, p. 76-77, 381-382, 478-479. –  e fiscalizados pelos provedores das Comarcas no que respeitava a nomeação dos seus oficiais, a sua administração contabilística e o cumprimento dos encargos pios a elas associados41Rosa, 2012, p. 229, 270, 275, 280; Rocha, 2019, p. 81, 391, 393..

A ereção de uma capela ou de um oratório neste tipo de instituição encontrava-se adscrita à necessária autorização episcopal42Rocha, 2019, p. 67..