Datas extremas de atividade

As primeiras dioceses do reino português foram restauradas entre os finais dos séculos XI e XII, à medida que a “reconquista” cristã avançou para sul. Estas instituições mantêm-se até à atualidade a “reconquista” cristã avançou para sul1Braga (1071), Coimbra (1080), Porto (post 1114), Lamego, Viseu e Lisboa (1147), Évora (1166), Silves (1189, 1252) e Guarda (1199). Farelo, 2019, p. 28-39; Saraiva, 2014, p. 33-34 (com bibliografia específica para cada diocese).. A organização diocesana no Portugal continental sofreu novas alterações no século XVI, com a criação de quatro outras dioceses: Leiria e Miranda (1545), Portalegre (1549) e Elvas (1570)2Paiva, 2000, p. 191-192.. Esta geografia eclesiástica permaneceu até ao tempo do Marquês de Pombal3Paiva, 2000, p. 189, 192-193. As dioceses de Penafiel e de Miranda não perduraram para além dessa década.. Estas instituições mantêm-se até à atualidade4Veja-se a listagem das Cúrias (arqui)episcopais em http://www.anuariocatolicoportugal.net/lista_curias.asp (consul. 9.8.2020)..

Documentos normativos (principais)

Encabeçadas pelos bispos (arcebispos nas arquidioceses), as dioceses medievais portuguesas funcionaram com uma normativa resultante das disposições emanadas dos sínodos diocesanos5Synodicon Hispanum, 1982. e dos acordos efetuados com outras instituições e poderes, nomeadamente  com a Coroa e os respetivos cabidos catedralícios6Ribeiro, 2003, p. 286..

Com a complexificação das estruturas burocráticas episcopais a partir de finais do período medievais, a normativa sobre o funcionamento dos diversos órgãos da Cúria diocesana (Câmara Eclesiástica, Tribunal e Despacho) foi objeto de uma organização específica no seio das Constituições diocesanas7Veja-se uma lista exaustiva das mesmas em Paiva, 2000b, p. 10-11.. Algumas destas últimas integraram codificações específicas sobre o tribunal episcopal (Regimentos do Auditório) e sobre a prerrogativa do bispo (ou dos seus representantes) em visitar as instituições eclesiásticas da diocese (Regimentos de visitações), algumas das quais incluíram determinações específicas sobre o caso da visita a capelas8Cr. lista no final da ficha. Excluíram-se da análise as disposições anteriores a 1497 (arroladas em Synodicon Hispanum, 1982), assim como as constituições pertencentes a parcelas de dioceses estrangeiras (Valença do Minho), a dioceses ultramarinas (Goa e Angamale) ou a isentos pertencentes às Ordens militares (Tomar). Encontram-se apresentações dos exemplares conhecidos de toda esta normativa  em Costa, 1941; Paiva, 1993; Paiva, 2000a; Paiva, 2000b;  Gouveia, 2009; Oliveira, 2013, p. 38-143; Farrica, 2019 e 2021..

Competências

Gerais

Dioceses e arquidioceses eram governadas respetivamente por bispos e arcebispos, com o auxílio dos respetivos cabidos. Estes prelados dispunham de um conjunto de prerrogativas de natureza sagrada, pastoral e jurisdicional derivado do exercício de um poder de ordem (administrar sacramentos), de jurisdição (julgar causas sobre indivíduos e jurisdições, legislar) e de um magistério pastoral (prover à formação cultural e pastoral dos clérigos e leigos)36Sobre esta questão, veja-se entre outros  Gaudemet, 1979, p. 257-279; Gaudemet, 1985-1986; Vázquez Bertomeu, 1998, p. 9; Pécout, 2010; Demesle, 2015..

Matéria vincular

A intervenção dos prelados e dos seus oficiais em matéria vincular enquadrou-se na questão mais lata da relação das autoridades diocesanas com o cumprimento da vontade dos defuntos, em termos do estabelecimento de legados pios destinados a promover a salvação das almas dos respetivos instituidores e beneficiários. A capacidade e legitimidade dos prelados em exercer essa intervenção resultou, sobretudo, de um processo histórico de definição e de redefinição de competências com o poder régio em torno da fundação (no âmbito da execução dos testamentos e gestão dos resíduos), da administração (nomeação de administradores, tomada de contas) e da correção (visitação) de capelas dotadas de bens vinculados.

A execução testamentária foi atribuída pelo direito canónico e pelo direito civil à Igreja37Para mais precisões, ver Malacarne, 2008, p. 327-328.. Através das sucessivas Concordatas efetuadas com o clero português, em 1289 e 1309, D. Dinis confirmou a jurisdição da Igreja sobre os testamentos feitos em favor de clérigos e sobre a execução dos legados pios estabelecidos em testamentos em favor de leigos, ao mesmo tempo que reconheceu à Coroa a jurisdição sobre o cumprimento destes últimos38Malacarne, 2008, p. 362.. Os reis D. Afonso IV a D. João I mantiveram a obrigatoriedade da publicação dos testamentos perante as justiças seculares, constando, de uma lei do primeiro, que os bispos e os seus vigários só poderiam intervir na execução dos testamentos sobre os bens deixados para legados às igrejas, hospitais, albergarias, pobres, para remir cativos e para obras de piedade39Ventura, 1997, p. 312. Esta lei encontra-se ed. em ODD, p. 382, aí datada de 21 de Outubro de 1323 (sic).. Face à escolha da jurisdição  competente para executar os testamentos em função do tipo de legado, o clero lusitano propôs sem sucesso a D. João I,  em 1427, o estabelecimento de um «regime de prevenção», através do qual a execução do testamento caberia à jurisdição que primeiro interviesse na mesma40Ver a «Lei dos testamentos» de D. Afonso IV, datada de 25 de Maio de 1349; a resposta de D. Pedro nas Cortes de 1352 e os acordos entre a Coroa e clero em 1401 e 1427. ODD, p. 524-526 e LLP, p. 440-442, 467; Almeida, 1967, vol. I, p. 362; Rosa, 2012, p. 180, 183.. Este regime acabou por ser aceite por D. Afonso V, em lei de 1458, no âmbito de um processo iniciado dois anos antes, fixando-se o preceito da execução testamentária caber à jurisdição que primeiro citasse os respetivos testamentários41Rosa, 2012, p. 211-215.. A mesma doutrina manteve-se plasmada nas disposições sobre a tomada de contas dos testamentos nas Ordenações Manuelinas e Filipinas42OM, liv. 2, tit. 35, §4; OF, liv. 1, tit. 62, §4; Almeida, 1967, vol. I, p. 363; Rosa, 2012, p. 311-312.. A lei de Filipe IV, datada de 3 de Novembro de 1622, consolidou o foro misto nesta questão, ao estabelecer em todo o reino a alternância mensal da execução dos testamentos, cabendo a mesma à jurisdição eclesiástica nos meses de Janeiro, Março, Maio, Julho, Setembro, Novembro e, nos restantes, à jurisdição secular43Ed. Silva, Collecção Chronologica, 1854-1859, vol. 3, p. 78-80.. O foro misto nesta questão manteve-se até à lei de 27 de Agosto de 1830, a qual determinou que essa ação passasse a ser uma competência exclusiva dos juízes seculares44A referência à lei de 1830 consta, por exemplo, em nota ao título dos Provedores e Contadores das Comarcas nessa última compilação (OF, liv. 1, tit. 62, §8)..

A execução dos testamentos relacionou-se diretamente com as questões associadas à respetiva tomada de contas e à jurisdição sobre os encargos pios que fossem mal cumpridos ou que ficassem por cumprir (resíduos), nos quais poder-se-iam incluir a instituição de uma capela e a vinculação do seu património45Sobre o conceito de resíduo, veja-se Barros, 1945-1954, vol. 6, p. 537, nota 2 e Ventura, 1997, p. 312.. Em termos genéricos, a Coroa chamou a si o direito de vigiar o destino dos bens adscritos aos resíduos, sendo esta prerrogativa contestada pelo clero em 142746Ventura, 1997, p. 313-314; Rosa, 2012, p. 184-185. O domínio da Coroa sobre a gestão dos resíduos fora reafirmada na Concordata de 1401  (Rosa, 2012, p. 180).. Na Concordata efetuada nesse ano, D. João I manteve o domínio da Coroa sobre esse tema – ainda que permitindo à Igreja a gestão dos testamentos quando o testador e os  testamenteiros fossem clérigos –, consolidando-se o seu papel neste assunto, nas décadas seguinte, pela criação de oficiais específicos (juízes dos resíduos) com jurisdição à escala do reino e de uma normativa exarada nas Ordenações Afonsinas47OA, liv. 2, tit. 58; Almeida, 1967, vol. I, p. 363; Rosa, 2012, p. 188-191, 196.. A lei de 9 de Novembro de 1458 inscreveu o conhecimento dos resíduos no já referido «regime de prevenção», sendo esta a doutrina plasmada nas Ordenações Manuelinas e nas Ordenações Filipinas48OM, liv. 2, tit. 35, §4; OF, liv. 1, tit. 62, §4; Almeida, 1967, vol. I, p. 363; Rosa, 2012, p. 311-312.. O exercício da  jurisdição sobre a execução dos resíduos passou igualmente a ser objeto de alternância mensal, estabelecida pela lei de 3 de Novembro de 162249Ed. Silva, Collecção Chronologica, 1854-1859, vol. 3, p. 78-80..

Uma vez instituída a capela, haveria que determinar quem tinha jurisdição sobre o seu provimento,  gestão e tomada de contas. À semelhança dos temas acima referidos, a Coroa e os seus oficiais arrogaram-se a competência de supervisionar a nomeação, a gestão e as finanças das capelas. No reinado de D. João I, tais prerrogativas foram objeto de denúncia por parte do clero, acabando o monarca por permitir, na concordata de 1427, que os prelados provessem e exercessem a jurisdição sobre as capelas eclesiásticas e as capelas administradas por leigos de forma graciosa, uma vez que a administração remunerada de tais instituições tornava-as «bens profanos» e, por isso, objeto de administração régia50OA, liv. 2, tit. 7, §34 e 89; Ventura, 1997, p. 332-333, 339; Rosa, 2012, p. 211.. Estas disposições fizeram doutrina e foram incorporadas nas Ordenações Afonsinas51OA, liv. 2, tit. 7.. Posteriormente à edição destes últimas, a jurisdição partilhada sobre a administração, nomeação e tomada de contas de capelas foi confirmada pela lei de 9 de Novembro de 1458, incorporada nas Ordenações Manuelinas:  nas capelas, hospitais e albergarias fundadas por autoridade e consentimento dos prelados, estes últimos poderiam prover os administradores e tomar-lhes as devidas contas; caso estas instituições fossem instituídas e administradas por leigos, tais competências caberiam aos oficiais régios, ainda que os prelados, aquando da sua visitação, pudessem verificar e fazer cumprir os respetivos encargos pios52OM, liv. 2, tit. 35, §40-41; Almeida, 1967, vol. 1, p. 363.. A normativa subsequente reconheceu as prerrogativas de cada uma dessas jurisdições nesta matéria: o Regimento dos hospital, capelas, hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e do seu termo (1504) e o Regimento de como os contadores das comarcas ham de prover sobre as capellas, ospitaaes, albregarias, confrarias, gafarias, obras, terças e residos (1514) registaram a prerrogativa destes oficiais em tomar as contas aos administradores de capelas, enquanto um alvará de 1553 inibiu os monarcas de dirimir questões sobre os bens das capelas que fossem instituídas ou fundadas por autoridade do papa e prelados53Ed. PMM3, p. 115.. A capacidade dos provedores das comarcas em receber as contas dos testamentos e das rendas e encargos das capelas, morgados e instituições de assistência foi posteriormente reafirmada em lei de 24 de Novembro de 1564, quando estes oficiais foram mandatados para receber informações dos prelados sobre os legados pios por cumprir dessas instituições, de acordo com o estipulado no Concílio de Trento54Lião, 1569, fl. 42v-43; Lião, 1796, p. 147; PMM4, p. 97 (a partir de Lião, 1569).. Quatro anos mais tarde, no âmbito da Lei da execução do Concílio Tridentino, é confirmado o foro misto no provimento  de capelas55Ed. Lião, 1569, fl. 81-84, especificamente os fl. 82v-83; Lião, 1796, p. 279-288 e p. 283-286 para os artigos em específico; PMM4, p. 100-104 (edição dos artigos específicos a partir de Lião, 1569, mas sem referência à divisão em artigos introduzida por Duarte Nunes de Lião)., acabando toda esta legislação por ser incorporada nas Ordenações Filipinas56OF, liv. 1, tit. 50, prólogo; tit. 62, §39-44.. Para além disso, refira-se a existência de normativa eclesiástica sobre o cumprimento do «regime de prevenção» (veja-se abaixo o ponto 4.2)  e sobre os abusos dos provedores nesta matéria: o cabido da Sé de Lisboa, nas adições ao Regimento da Visitação do arcebispado, copiado em 1666,  ordenou que o vigário-geral da diocese tomasse conhecimento dos casos de usurpação da jurisdição eclesiástica pelos provedores da comarca, quando estes tomavam as contas, indevidas, das confrarias, capelas e hospitais que tinham sido instituídos por autoridade episcopal57Referência feita a partir da versão apresentada a provas da dissertação de mestrado de Luís, 2011a, p. 63, uma vez que esta informação foi retirada na sua versão editada (Luís, 2014, p. 55)..

De acordo com o seu múnus, o Bispo deveria inquirir sobre o funcionamento das  instituições eclesiásticas situadas nas paróquias da sua diocese que estivesse sob a sua jurisdição. Para isso, dispunha de um conjunto de mecanismos, dos quais se destaca a visitação canónica. No período medieval, estas visitações incidiram sobre a dimensão patrimonial das igrejas e ermidas (estado de conservação dos edifícios eclesiásticos e do seu recheio litúrgico, a gestão dos seus bens) e sobre a observância dos paroquianos dos sacramentos e da participação na missa. A partir do século XVI, sobretudo após o Concílio de Trento, acentuou-se a sua realização em duas fases: a visita “espiritual” com a absolvição dos defuntos, a inspeção ao edificado e às alfaias litúrgicas e a verificação dos registos da igreja, seguindo-se depois a visita “temporal”, durante a qual o visitador inquiria sobre o comportamento moral dos paroquianos58Sobre esta questão veja-se Ventura, 1997, p. 333; Carvalho e Paiva, 2001, p. 366; Luís, 2014, p. 61, 64-66..

Por fim, de acordo com as constituições diocesanas, dependia ainda do Bispo a autorização para a comutação de legados pios59As Constituições Sinodais de Viseu (1617) determinavam que esse pedido teria de ser feito ao bispo pelo administrador da capela, no decurso do sínodo (Constituições Viseu, 1621, p. 350)., para a colocação de escudos e armas e outras insígnias em igrejas, capelas e ermitas60Constituições Portalegre, 1632, Liv. 4, tit. 1, cap. 6, fl. 163v-164; Constituições Elvas, 1635, Tit. 18, const. 3, fl. 83; Constituições Lamego, 1683, Liv. 4, tit. 1, cap. 7, p. 304-305; Constituições Guarda, 1686, Liv. 4, tit. 1, cap. 8, p. 372-373); Constituições Porto, 1690, Liv. 4, tit. 1, const. 8, p. 372., como da própria edificação e reedificação de capelas61Constituições Lisboa, 1656, Liv. 1, tit. 5, Principio, p. 325; Constituições Lamego, 1683, Liv. 4, tit. 1, cap. 1, p. 297; Constituições Guarda, 1686, Liv. 4, tit. 1, cap. 1, p. 159; Constituições Algarve, 1554, Tit. 16, cap. 4, fl. 61; Constituições Funchal, 1585, Tit. 16, const. 7, p. 114; Constituições Funchal, 1601, Tit. 16, const. 9, p. 114.. As Constituições de Elvas de 1632 referem igualmente a capacidade do respetivo bispo em poder destruir ou mudar a localização de capela para a qual já tivesse concedido a necessária autorização para o seu estabelecimento62Constituições Elvas, 1635, Tit. 18, const. 4, fl. 83v..

Orgânica da instituição e funções dos seus agentes em temática vincular

Orgânica da instituição

A diocese era governada pelo Bispo adjuvado pelo Cabido catedralício (ver ficha Cabido catedralício, ponto 3). Para assegurar as ações necessárias ao governo diocesano, o prelado encabeçava uma organização funcional designada, no período medieval, de forma variável como Casa, Corte ou mesmo Audiência115Não existe unanimidade entre os especialistas sobre a equivalência ou não destes termos no período medieval (Silva, 2013, p. 23-24; Gomes, 2000, p. 393). Esta questão mereceu recentemente um ponto de situação por Fátima Farrica (Farrica, 2021, p. 110-113), a qual concluiu existir, no período medieval «uma indistinção entre a Casa do bispo e a administração episcopal» (p. 113).. Criadas ao ritmo da institucionalização das estruturas de governo em cada diocese, esta estrutura congregava então um conjunto de oficiais responsáveis pela aplicação da justiça, pela gestão patrimonial e pela redação documental, sem que seja possível identificar nesse período, na maioria dos casos, a existência de «repartições» específicas para além de uma “audiência” ligada à dimensão judicial e de uma “chancelaria” responsável pela redação da documentação episcopal e da referida audiência116Marques, 1988, p. 170; Cunha, 2005, p. 119; Morujão, 2010, p. 288-289; Silva, 2013, p. 23; Gouveia, 2009, p. 186; Farrica, 2021, p. 110, 122-123.. O aumento da atividade burocrática desta Casa, Corte ou Audiência a partir dos finais da Idade Média, em grande medida decorrente da aplicação das tendências reformativas da Igreja quatrocentista e, posteriormente, do reforço das competências e da jurisdição dos prelados determinada no Concílio de Trento, levou à crescente individualização e instituição das suas componentes117Para o estudo do aparelho burocrático (arqui)episcopal português no período moderno, veja-se Paiva, 1991; Paiva, 2000.. A formulação mais complexa desta estrutura burocrática diocesana teve lugar nas três metrópoles de Braga, Lisboa e Évora, em torno de três grandes repartições fixadas centralmente na respetiva sede da arquidiocese:

  • Um tribunal (designado de “audiência” nos finais da Idade Média e, preferencialmente, de “audiência metropolitana” a partir da Época moderna) destinado a julgar em primeira instância os processos oriundos da sua própria circunscrição e, em segunda instância, os pleitos recebidos em apelação dos tribunais eclesiásticas das diocese sufragâneas (com apelação das suas decisões em segunda e terceira instância, respetivamente, para o Tribunal da Legacia ou da Nunciatura)118Gomes, 2000, p. 393; Paiva, 2000, p. 19; Farrica, 2021, p. 60. Sobre as suas competências específicas, veja-se Paiva, 2016, p. 208.. Esta estrutura judicial era dirigida por um Presidente, que supervisionava um grupo de oficiais constituído por um chanceler, provisor, vigário-geral e desembargadores, entre outros119Paiva, 2000, p. 196. Sobre as competências de cada um dos oficiais da Relação Eclesiástica, vejam-se os estudos de Marques, 1988, p. 178-181 (Braga, séc. XV); Meneses, 2006, p. 133-135, 138-139; 150 (Braga, finais do séc. XVII); Luís, 2014, p. 53-54 (Lisboa, séc. XV); Farrica, 2021, p. 138-180 (Évora, sécs. XV-XVI).. Em cada uma das Relações existiam ainda julgados específicos assumidos por juízes recrutados no seio do grupo dos Desembargadores, um para a execução dos testamentos (juiz dos resíduos) e o outro para as averiguações relativas a casamentos (juiz dos casamentos)120Paiva, 2000, p. 197.. Ainda que a historiografia estabeleça geralmente  uma correspondência entre a «audiência» e a «Relação Eclesiástica», pelo menos no caso de Évora, à primeira correspondia a tramitação dos processos judiciais pelo vigário-geral e pelo provisor e à segunda a elaboração da respetiva sentença por uma «junta de letrados»121Farrica, 2021, p. 175..
  • Uma Câmara Eclesiástica ou Mesa Episcopal responsável pela tramitação  de assuntos administrativos relacionados com a jurisdicional espiritual e voluntário do Bispo122Sobre as suas competências específicas, veja-se Paiva, 1991, p. 82-83; Paiva, 2016, p. 207.. Este órgão era presidido pelo arcebispo e reunia o presidente da relação,  o chanceler, o provisor e o vigário-geral123Paiva, 2000, p. 196-197; Luís, 2014, p. 54..
  • Uma «secretaria» de Despacho das Visitações (Casa do Despacho na arquidiocese de Évora), responsável pelas gestão dos assuntos (organização, registo) associados às visitações canónicas efetuadas pelo prelado ou seus representantes, chefiada pelo presidente da Relação e composta por um escrivão/secretário e por um executor124Paiva, 2016, p. 207; Luís, 2014, p. 54; Farrica, 2021, p. 166-167. Sobre as competências específicas dos seus oficiais, veja-se Farrica, 2021, p. 179-180, 199..

As arquidioceses dispunham ainda de uma Chancelaria, um órgão responsável, desde o período medieval, pela emissão e validação dos documentos emitidos pelo prelado e pelas sua administração, sob a alçada de um chanceler que supervisionava um corpo de oficiais responsável pela redação documental (escrivães)125Cunha, 2005; Morujão, 2010; Silva, 2013; Farrica, 2021, p. 187-189.. No caso da arquidiocese de Évora, por exemplo, uma Mesa da Consulta foi criada no séc. XVI, composta pelos oficiais pertencentes à Relação, destinada a aconselhar o prelado em casos de aplicação do seu poder de «graça»126Farrica, 2021, p. 165 e p. 165-166, para a descrição das suas competências específicas..

Esta estruturação tornava-se mais simples nas restantes dioceses do reino127A única exceção a esta orgânica parece ser o caso da diocese de Lamego, na qual o tribunal, a câmara eclesiástica, a chancelaria e Cartório da Sé encontravam-se na dependência de uma provedoria e vigairaria-geral, encontrando-se estas últimas ao nível da Visitadoria (Lourenço, 2018, p. 54, 60 e, sobretudo, o organograma na p. 142; Farrica, 2021, p. 200).. Mantinham-se o tribunal, presidido pelo bispo ou pelo vigário-geral, destinado a julgar em primeira instância os processos pertencentes à jurisdição episcopal, composto por um conjunto variado de oficiais (ouvidor, promotor, meirinho, solicitador, contador, distribuidor, aljubeiro, porteiro das audiências) e a Câmara Episcopal/Mesa Episcopal, encabeçada pelo bispo ou pelo provisor e composta pelo escrivão da câmara e outros dependentes128Paiva, 2016, p. 207; Farrica, 2021, p. 122, 126-127, 183-184. Sobre a orgânica e as competências dos oficiais do Auditório, vejam-se os estudos de Paiva, 1991 (Coimbra, finais do séc. XVI); Paiva, 2000, p. 195 (Lamego, meados do séc. XVI); Paiva, 2016, p. 207-224 (Viseu, inícios do séc. XVII); Trindade e Teixeira, 2003, p. 295-302 (Funchal, finais do séc. XVI); Farrica, 2021, p. 162, 181-186 (Portalegre e Elvas, década de 1630); Farrica, 2021, p. 193 (quadro recapitulativo dos cargos em cada arquidiocese/diocese estudada).. A maioria das dioceses do reino não teve um Despacho das Visitações, pelo que as suas competências eram assumidas pelo bispo, pelo provisor, pelo vigário-geral e pelo executor das visitações, como no caso da diocese de Viseu e de Portalegre129Paiva, 1991, p. 84; Vilar, 1999, p. 204; Paiva, 2000, p. 197; Farelo, 2004, vol. 1, p. 16; Paiva, 2016, p. 207-208; Gouveia, 2018, p. 12; Farrica, 2021, p. 186-187.. Como nas sua metrópoles, cada diocese dispunha de uma chancelaria, responsável pela elaboração e validação necessários à administração episcopal130Morujão, 2010; Silva, 2013; Farrica, 2021, p. 188-189..

Para além destas estruturas «centrais» de governo, a burocracia arquiepiscopal espraiava-se pelo território diocesano através de um corpo de oficiais “periféricos” responsáveis pelo exercício de uma jurisdição delegada em nome do prelado, operacionalizada em torno de uma ou mais audiências encabeçada por um vigário (como no caso de Santarém no caso de Lisboa; de Beja no caso de Évora; de Valença, Vila Real, Chaves e Torre de Moncorvo no caso de Braga) e de circunscrições de recorte regional (arcediagados, arciprestados e vigairarias) chefiados por arcediagos, arciprestes/vigários forâneos e vigários de vara131Paiva, 2000, p. 197; Meneses, 2006, p. 124; Farrica, 2021, p. 218, 226. Sobre as suas competências específicas, vejam-se Farrica, 2021, p. 227-234, 637-653. Nos casos de Évora e de Braga, existiam circunscrições intermédias, designadas de comarcas, as quais poderiam conter vários arciprestados e vigairarias (Farrica, 2021, p. 244).. Enquanto aos primeiros pertencia a verificação pastoral dos moradores dos arcediagados, aos restantes competia o exercício da justiça e da administração episcopal132Paiva, 2000, p. 305-306; Paiva, 2016, p. 220; Gouveia, 2018, p. 29; Farrica, 2021, p. 228-229, 242-244. Estes autores sublinham que, em dioceses  sufragâneas como em Viseu, os arciprestados poderiam enquadrar também as visitas pastorais..

As funções dos seus agentes

Juiz dos resíduos
Magistrado pertencente às burocracias arquiepiscopais de Braga, Lisboa e Évora, responsável pela execução e tomada de contas dos testamentos  de  testadores falecidos nos meses pertencentes à jurisdição eclesiástica (Janeiro, Março, Maio, Julho, Setembro e Novembro), sendo que a normativa bracarense atesta a sua competência para a tramitação dos processos sobre os resíduos133Regimento da Relação Braga, 1699, tit. 8, art. 1, 3,  6-8,  fl. 71v-72; Constituições Lisboa, 1656, liv. 4, tit. 14, decreto 3, principio-const. 2, p. 385-388; Regimento do auditório, 1598, tit. 5, art. 6, fl. 37v; Paiva, 2000, p. 197; Meneses, 2006, p. 137; Farrica, 2021, p. 653. Refira-se que a alternância mensal só foi instituída em 1622, apesar deste regime de «prevenção» ter sido estabelecido no século XV.. A criação deste julgado derivou da autonomização da esfera dos resíduos da competência dos vigários-gerais, efetivada na arquidiocese de Évora, antes de 1568 e, detetada em Lisboa somente em 1656, sucedendo neste caso o juiz dos resíduos ao promotor (1535) e aos vigários-gerais (1537, 1588)134Farrica, 2021, p. 153; Constituições Lisboa, 1537, tit. 21, const. 1, fl. 65; Pereira, 1973, p. 812 (1535); Constituições Lisboa, 1537, tit. 21, const. 2-4, fl. 65v-66; Constituições Lisboa, 1588, tit. 21, const. 2-4, fl. 70-70v..

Cabia a este oficial executar a vontade dos testadores sobre a instituição de capelas. De acordo com as disposições do Regimento do juiz dos resíduos contido no Regimento do Auditório Eclesiástico do arcebispado de Évora (1598), seguidas posteriormente no Regimento da relação e auditório eclesiástico do arcebispado de Braga (1699), o juiz dos resíduos tinha de mandar cumprir e verificar o cumprimento das obrigações e encargos pios associadas a capelas, assim como tomar as contas da administração destas últimas, quando tomasse as contas da execução dos testamentos. Para que não se perdesse a memória desses encargos, este magistrado deveria mandar inscrevê-los na «tábua» da igreja à qual as capelas pertencessem, com a informação de quem é o administrador da capela. De igual modo, teria de mandar registar esses encargos em livro de registo próprio, existente em cada igreja, para além de  rubricar e numerar um livro no qual o escrivão dos resíduos assentaria todas as capelas instituídas e em vias de instituição na diocese135Parágrafo baseado em Regimento do auditório, 1598, art. 11, fl. 38v; Regimento da Relação Braga, 1699, tit. 8, art. 25-26, 52,  fl. 73v-74, 76-76v..

Vigário-geral

Pelo facto das competências relativas aos legados pios estarem sob a jurisdição do juiz dos resíduos, a atividade dos vigários-gerais das arquidioceses portuguesas continentais nessa matéria foi limitada, registando-se somente essa atribuição nos casos já referidos de Évora e de Lisboa até ao século XVI136Farrica, 2021, p. 153; Constituições Lisboa, 1537, tit. 21, const. 2-4, fl. 65v-66; Constituições Lisboa, 1588, tit. 21, const. 2-4, fl. 70-70v.. Nesse período,  pelo menos no caso olisiponense, os vigários-gerais de Lisboa e de Santarém deviam mandar cumprir os legados específicos – «as obras certas» – como as capelas, ordenando que a empreitada para a sua construção física fosse arrematada pelo melhor preço137Constituições Lisboa, 1537, tit. 21, const. 5, fl. 66v; Constituições Lisboa, 1588, tit. 21, const. 3, fl. 70.. Com a passagem desta competência para o juiz dos resíduos, somente o vigário-geral de Santarém manteve tais responsabilidades no território sob a sua jurisdição138Constituições Lisboa, 1656, liv. 4, tit. 14, decreto 3, principio-const. 2, p. 385-388..

Pela inexistência do juiz dos resíduos ao nível das dioceses sufragâneas, cabia ao vigário-geral, nestes últimas, a execução dos testamentos e dos resíduos, assim como a verificação do cumprimentos dos encargos pios e a tomada de contas a capelas139Farrica, 2021, p. 199-120.. Por exemplo, na diocese do Porto, as Constituições Diocesanas e o Regimento dos Visitadores, ambos de 1690, reproduziam disposições arquiepiscopais, ao estabelecer que o vigário-geral executasse as últimas vontades dos falecidos na cidade e arrabaldes, de acordo com os termos do regime da prevenção, cabendo-lhes executar a «obra certa», como a instituição de capelas, de acordo com a empreitada que for arrematada pelo melhor preço140Regimento do auditório, 1690, tit. 10, proémio, fl. 83; Constituições Porto, 1690, liv. 4, tit. 10, const. 10-11, p. 451-453..

Visitador
A prerrogativa do prelado em inspecionar as instituições eclesiásticas da sua jurisdição levou a que a visitação se tornasse uma ocasião específica para gerir as questões associadas à verificação dos legados pios, através da ação do seu principal agente, o visitador.

No caso das arquidioceses, as disposições sobre a visitação canónica, contidas nos regimentos dos auditórios (em títulos específicos para o caso dos visitadores), nos regimentos dos visitadores e nas Constituições diocesanas, determinavam que os visitadores inspecionassem as capelas e instituições pias no tocante ao culto eclesiástico, depois da visitação às igrejas e demais instituições eclesiásticas sob jurisdição do prelado141Regimento do auditório, 1598, tit. 11, art. 51, fl. 69v; Constituições Lisboa, 1656, liv. 4, tit. 17, decreto 1, p. 409; Regimento da Relação Braga, 1699, tit. 11, art. 82-83, fl. 90v.. Esta inspeção incidia fundamentalmente sobre o cumprimento das obrigações pias adscritas a tais instituições, extensível por vezes ao estado dos respetivos ornamentos142Farrica, 2021, p. 651.. Para proceder a essa aferição, os visitadores teriam de verificar a existência e consultar os documentos da igreja e das respetivas capelas143Regimento do auditório, 1598, tit. 11, art. 51, fl. 69v; Constituições Lisboa, 1656, liv. 4, tit. 17, decreto 1, p. 409.. Para memória futura, estes oficiais assegurar-se-iam  que os encargos pios aí declarados fossem transcritos em livro e registados em «tábuas» colocadas nas sacristias das respetivas igrejas144Regimento auditório, 1598, tit. 11, art. 69, p. 71 e , tit. 5, art. 11, fl. 38v e Regimento da Relação Braga, 1699,  tit. 8, art. 26, fl. 74; Farrica, 2021, p. 651..

Para além da verificação do cumprimentos dos encargos pios, a legislação eclesiástica bracarense determinava também que estes oficiais tinham de tomar as contas das capelas e executar os testamentos fora da cidade e do termo de Braga145Regimento da Relação Braga, 1699, tit. 8, art. 7 e 26,  fl. 72 e 74.. No caso de Lisboa, sabe-se que a tomada de contas das execuções dos testamentos dos falecidos, nas vigairarias por onde visitavam, constituía uma das prerrogativas dos visitadores, pelo menos no século XVI146Constituições Lisboa, 1537, tit. 21, const. 5, fl. 66v; Constituições Lisboa, 1588, tit. 21, const. 5, fl. 71..

A ação dos visitadores sobre as capelas com bens vinculados decorria igualmente nas dioceses sufragâneas, modulada pela normativa (Constituições diocesanas, Regimentos de Visitação) existente para algumas delas. A legislação comporta essencialmente dois tipos de normas sobre esta questão específica, em grande medida semelhante à normativa aplicada às visitações das capelas nas arquidioceses:

  • Estabelece genericamente o dever dos  visitadores em fazer a visitação à capela (no tocante ao culto divino), com o propósito de verificar o cumprimento dos encargos pios a ela adscritos147Casos do Regimento dos visitadores de Lamego (1683) e do Regimento do auditório do Porto (1690): Regimento dos  visitadores, 1683, tit. 8, art. 8, p. 539 (ed. Constituições Lamego, 1683); Regimento do auditório, 1690, tit. 12, const. 29, fl. 99. e de tomar as contas da respetiva administração148Farrica, 2021, p. 658, 660..
  • Obriga os visitadores a inspecionar os registos associados ao cumprimento dos encargos litúrgicos das referidas capelas. Para assegurar essa verificação, o Regimento dos visitadores de Coimbra, datado do último quartel do século XVII,  estabelecia que o visitador tinha a obrigação de cotejar o «caderno antigo das capelas e missas» que o mesmo guardava ao longo da visitação com a «tábua das missas e obrigações» existentes em cada igreja149Editado em Paiva, 1993, p. 655, cap. 5. Uma reprodução a cores de uma dessas tábuas encontra-se em Luís, 2014, p. 77, figura 5.. Para ajudar a essa tarefa, o Regimento dos visitadores de Elvas (1632), permitia que o visitador levasse o livro das visitações, o inventário  dos bens da igreja e o livro das capelas e das confrarias para os seus aposentos, de modo a facilitar a sua consultar e a identificação de emendas a efetuar ao seu livro da visitação150Farrica, 2021, p. 654..

Promotor
O promotor era um advogado pertencente ao tribunal eclesiástico existente nas arquidioceses e dioceses do reino, com direito de intervenção nos processos dirimidos pela referida instituição e responsável por defender a jurisdição eclesiástica, no âmbito do regime de «prevenção» estabelecido com a Coroa151Farrica, 2021, p. 554.. Na arquidiocese de Lisboa, o Regimento do Auditório Eclesiástico de Lisboa, datado de 1535, conferia-lhe competências sobre o cumprimento dos legados pios152Pereira, 1973, p. 812.. Na arquidiocese de Évora, pertencia-lhe apelar para a Relação Eclesiástica de Lisboa, se achasse que o vigário eborense havia mal sentenciado um processo relacionado com as almas dos defuntos153Farrica, 2021, p. 179, 554.. Deteta-se a mesma ligação do promotor aos legados pios no caso de Braga, em cujo Auditório exercia precisamente um promotor dos resíduos, dotado de regimento específico incluído no Regimento da Relação de 1699154Regimento da Relação Braga, 1699, tit. 15. Sobre as suas competências específicas, veja-se Meneses, 2006, p. 139..

Tais competências mantinham-se ao nível diocesano. No Funchal, por exemplo, ele tinha de requerer os processos sobre os resíduos, dado o perigo para as almas pelos atrasos no cumprimento das obras pias expressas nos testamentos155Trindade e Teixeira, 2003, p. 297.. Em Portalegre, as dúvidas suscitadas  pela execução testamentária seriam enviadas ao vigário-geral com uma certidão endereçada ao promotor, na qual deveria constar a data (dia e hora) da respetiva citação aos testamenteiros156Farrica, 2021, p. 643..

Arciprestes
Os arciprestes da arquidiocese de Évora, em finais do século XVI, dirimiam os processos sobre os resíduos e a execução dos testamentos no território sobre a sua tutela, onde não existisse vigários da vara, com um alçada fixada nos 4000 réis157Veja-se as suas competências específicas em Paiva, 2016, p. 220.. Para não comprometer os legados não cumpridos, podiam despender para o seu cumprimento até ao total de 10 cruzados, com a possibilidade de mandar rezar um máximo de 50 missas158Farrica, 2021, p. 237..

Vigário da vara/Vigários pedâneos
Estes oficiais tinham competências sobre a execução dos testamentos nas vigairarias pertencentes às arquidioceses de Lisboa e de Évora (uma vez que em Braga tais competências recaíam sobre os visitadores), sendo que, no caso olisiponense,, poderiam emitir sentenças e dar quitação, no caso da execução testamentária ter terminado antes do prazo159Constituições Lisboa, 1537, tit. 21, const. 5, fl. 66v e tit. 31, fl. 83-83v; Constituições Lisboa, 1588, tit. 21, const. 5, fl. 71 e tit. 31, const. 1, fl. 88; Regimento do auditório, 1598, tit. 5, art. 6, fl. 37v; Farrica, 2021, p. 232, 243, 636, 639.. Em Évora, o vigário de Beja e os vigários da vara tinham igualmente por função a tomada de contas dos resíduos nos seus territórios de tutela e o dever de se informar sobre o cumprimento dos encargos das capelas, inspecionando para o efeito os livros dos testamentos, compromissos e tombos existentes. Para perdurar a memória destas obrigações, estes oficiais teriam de verificar quer os aniversários a celebrar nestas capelas deveriam ser inscritos na “tábua”, a colocar no coro da respetiva igreja160A apresentação do caso eborense foi baseada em Farrica, 2021, p. 224-225, 238, 638, 653..

Ao nível diocesano, as constituições diocesanas de Portalegre (1598, 1632) e de Elvas (1635) conferia-lhes o poder de executar e tomar as contas da execução testamentária e dar quitação dos resíduos que viessem a ser apurados, sendo as dúvidas relativas ao processo remetidas ao vigário-geral portalegrense161Farrica, 2021, p. 643.. Na questão específica das capelas, as primeiras determinavam que os vigários da vara fariam cumprir as «coisas certas» que os defuntos tinham mandado, no caso dos testamenteiros as não executar dentro do prazo162Farrica, 2021, p. 641..

Escrivão dos resíduos
Competia aos escrivães dos resíduos bracarenses possuir o regimento das capelas, preparar o roteiro das capelas e confrarias a visitar a entregar aos escrivães das visitas, assim como redigir os processos relativos aos resíduos –  realizados aquando das visitações na cidade e comarca de Braga  ou dirimidos na audiência dos vigários-gerais (pois o juiz dos resíduos não fazia audiência) – e as respetivas sentenças pronunciadas em sede de Relação163Meneses, 2006, p. 146-147, síntese elaborada a partir de Regimento da Relação Braga, 1699, tit. 27, fl. 152-154.. Para além do livro do registo das capelas, ele tinha de elaborar um livro no qual se assentasse – pela ordem das visitações –  todas as capelas instituídas pelos testadores e o lugar onde eram registadas, livro esse rubricado e numerado pelo juiz dos resíduos164Regimento do auditório, 1598, art. 11, fl. 38v. No caso de Braga, as referência a este livro constam simultaneamente nos títulos pertencentes ao juiz (tit. 8) e ao escrivão (tit. 27) dos resíduos, explicitando o primeiro que este livro servirá de fonte para a elaboração do roteiro da visitação (Regimento da Relação Braga, 1699, tit. 8, art. 25-26, fl. 73v-74 e tit. 27, art. 8, fl. 153).. De acordo com Ana Sandra Meneses, seriam estes últimos os livros para registo de capelas e legados atualmente conservados no Arquivo Distrital de Braga165Meneses, 2006, p. 131, 154..

Este oficial desempenhava funções também ao nível diocesano. No caso da vigairaria de Beja, o escrivão dos resíduos escriturava todos as causas pertencentes ao respetivo vigário166Farrica, 2021, p. 221, 225..

Relações com outras instituições sobre temática vincular

Uma vez que a execução testamentária, os resíduos e a gestão e supervisão das capelas  eram objeto de foro misto, os oficiais do prelado relacionavam-se com os oficiais régios, nomeadamente os provedores das comarcas, no âmbito do cumprimento do regime de prevenção estabelecido entre ambas as jurisdições sobre tais assuntos (ver acima, ponto “Competências”).  

No âmbito da execução dos legados associados à instituição e tomada de contas de capelas, os visitadores eclesiásticos relacionavam-se com os párocos das igrejas que as acolhiam,  os capelães que as serviam e os leigos que as administravam (ver a ficha «Paróquias», ponto “As relações com as outras instituições”).

 

Constituições diocesanas compulsadas

  • Constituições e estatutos do Bispado da Guarda, editadas em 1500167Ed. Constituições Guarda, 1500.
  • Constituições de Braga de D. Diogo de Sousa, datadas de 1505 e editadas em 2019168Ed. Constituições Braga, 1505.;
  • Constituições do Bispado de Coimbra, editadas em 1521169Ed. Constituições Coimbra, 1521.;
  • Constituições do Bispado de Évora, editadas em 1534170Ed. Constituições Évora, 1534.;
  • Constituições do arcebispado de Lisboa, editadas em 1537171Ed. Constituições Lisboa, 1537.;
  • Constituições do arcebispado de Braga, editadas em 1538172Ed. Constituições Braga, 1538.;
  • Constituições sinodais do Bispado do Porto, editadas em 1541173Ed. Constituições Porto, 1541.;
  • Constituições sinodais do Bispado de Coimbra, editadas em 1548174Ed. Constituições Coimbra, 1548.;
  • Constituições do Bispado do Algarve, editadas em 1554175Ed. Constituições Algarve, 1554.;
  • Constituições sinodais do Bispado de Angra, editadas em 1560176Ed. Constituições Angra, 1560.;
  • Constituição sinodais do Bispado de Lamego, editadas em 1563177Ed. Constituições Lamego, 1563.;
  • Constituições do Arcebispado de Évora, editadas em 1565178Ed. Constituições Évora, 1565.;
  • Adições às constituições do Arcebispado de Évora, editadas em 1569179Ed. Constituições Évora, 1569.;
  • Constituições sinodais do Bispado do Funchal, elaboradas em 1578 e editadas em 1585180Ed. Constituições Funchal, 1585.;
  • Constituições sinodais do Bispado do Porto, editadas em 1585181Ed. Constituições Porto, 1585.;
  • Constituições sinodais do Arcebispado de Lisboa, editadas em 1588182Ed. Constituições Lisboa, 1588.;
  • Constituições sinodais do Bispado de Coimbra, editadas em 1591183Ed. Constituições Coimbra, 1591.;
  • Constituições sinodais do Bispado do Funchal, editadas em 1601184Ed. Constituições Funchal, 1601.;
  • Constituições sinodais do Bispado de Viseu, editada em 1617185Ed. Constituições Viseu, 1617.;
  • Constituições sinodais do bispado da Guarda, editadas em 1621186Ed. Constituições Guarda, 1621.;
  • Constituições sinodais do Bispado de Portalegre, editadas em 1632187Ed. Constituições Portalegre, 1632.;
  • Constituições sinodais do Bispado de Elvas, editadas em 1635188Ed. Constituições Elvas, 1635.;
  • Constituições novas do Arcebispado de Lisboa, elaboradas em 1640 e editadas em 1656189Ed. Constituições Lisboa, 1656.;
  • Constituições sinodais do Bispado do Algarve, editadas em 1674190Ed. Constituições Algarve, 1674.;
  • Constituição sinodais do Bispado de Lamego, editadas em 1683191Ed. Constituições Lamego, 1683.;
  • Constituições sinodais do Bispado da Guarda, editadas em 1686192Ed. Constituições Guarda, 1686.;
  • Constituições sinodais do Bispado do Porto, editadas em 1690193Ed. Constituições Porto, 1690.;

 

Regimentos de auditórios: 

  • Regimento do Auditório Eclesiástico de Lisboa, datado de 8 de Outubro de 1535194Referido em Pereira, 1964, p. 3; Pereira, 1973, p. 807. Data referida em Pereira, 1973, p. 806.;
  • Regimento do auditório eclesiástico de Évora, datado de 26 de Dezembro de 1535, com adições em 1576195Farrica, 2021, p. 72, 87.;
  • Regimento do Auditório Eclesiástico de Coimbra, editado em 1547196Ed. Regimento do auditório, 1547.;
  • Regimento do Auditório Eclesiástico do Porto, editado em 1585197Ed. Constituições Porto, 1585.;
  • Regimento dos Auditórios Eclesiásticos do Bispado do Funchal ordenado por D. Luis de Figueiredo Lemos, datado de 8 de Fevereiro de 1589198Ed. Trindade e Teixeira, 2003, p. 304-324.;
  • Regimento dos oficiais do Auditório Eclesiástico de Coimbra, datado de 1591 e publicado no ano seguinte199Ed. Regimento do auditório, 1592.;
  • Regimento do Auditório Eclesiástico do arcebispado de Évora, editado em 1598200Ed. Regimento do auditório, 1598.;
  • Regimento do Auditório, elaborado em 1598 e editado em 1601201Inserido nas Constituições sinodais do Bispado de Leiria, ed. Constituições Leiria, 1601, fl. 113-132.;
  • Regimento do Auditório, datado de 1614202Inserido com numeração independente depois das Constituições sinodais do Bispado de Viseu, editadas em 1617 e 1684 (ed. Constituições Viseu, 1617; Constituições Viseu, 1684).;
  • Regimento do auditório eclesiástico da diocese de Portalegre, editado em 1632203Inserido com numeração independente depois das Constituições sinodais do Bispado de Portalegre, ed. Constituições Portalegre, 1632.;
  • Regimento do auditório eclesiástico da diocese de Elvas, editado em 1635204Inserido nas Primeiras Constituições sinodais do Bispado de Elvas, ed. Constituições Elvas, 1635, fl. 182-215v.;
  • Regimento do Auditório Eclesiástico do Bispado do Algarve, elaborado em 1673205Inserido com numeração própria depois das Constituições sinodais do Bispado do Algarve, editadas em 1674 (ed. Constituições Algarve, 1674, p. 1-86).;
  • Regimento do Auditório Eclesiástico do bispado do Porto, editado em 1690206Ed. Regimento do auditório, 1690.;
  • Regimento da relação e auditório eclesiástico do arcebispado de Braga, manuscrito datado de 1699207Regimento da Relação Braga, 1699.;

 

Regimentos de visitadores: 

  • Regimento de visitadores de D. Afonso Furtado de Mendonça, arcebispo de Braga, datado de 1620208Ed. Soares, 1972, vol. 2, folhas 100-108.;
  • Regimento dos visitadores do arcebispado de Lisboa, elaborado entre 1634-1636 e copiado em 1666209Referência e data crítica estabelecida em Luís, 2011, p. 172-173..
  • Instrução dos visitadores do bispado de Coimbra, datado criticamente de 1674-1700210Ed. Paiva, 1993, p. 655-661.;
  • Regimento dos visitadores, datado de 1683211Inserido nas Constituições Sinodais do bispado de Lamego, ed. Constituições Lamego, 1683, p. 537-550..