Datas extremas de atividade

A Provedoria das Capelas e Resíduos de Lisboa e termo foi criada em 1564, no âmbito da passagem da jurisdição sobre o Hospital de Todos os Santos para a Misericórdia de Lisboa. De acordo com um alvará do cardeal D. Henrique, datado de 27 de junho de 1564, os assuntos sobre as capelas, hospitais, albergarias e confrarias da cidade eram julgados até essa data pelo «juízo» do Hospital de Todos os Santos, sendo que, segundo o mesmo documento, o provedor e irmãos da Misericórdia não se mostravam disponíveis para manter esse julgado e assegurar os salários dos respetivos magistrados (ouvidor do Hospital e desembargadores)1Ed. PMM4, p. 207. Esta questão é resolvida por alvará de 4 de Dezembro seguinte2Rosa, 2012, p. 283, nota 426; Livro I do Registo Geral (TT, Hospital de São José, liv. 940, fl. 248-248v), recopiado na “Reforma” do livro anterior, intitulado Livro de Registo Geral do Hospital de Todos-os-Santos. Cópia dos Diplomas Registados no Iivro 1 (1501-1606) do Registo Geral. Reforma do Século XVIII (TT, Hospital de S. José, liv. 1116, fl. 322v-324v). O livro com a cota nº 940 é um códice de registo em papel – aparentando uma unidade codicológica única desde a sua criação e sem indicação de reunião posterior de cadernos – de uso dos escrivães/escrivães da Fazenda do Hospital, sem data atribuída pelos arquivistas da Torre do Tombo,  que reúne traslados de documentos normativos vários, de 1501 a 1606, fazendo parte de uma série de documentação afim, atualmente intitulada “Registo geral”. Na sua grande maioria, estes traslados encontram-se certificados pelo escrivão do Hospital em data geralmente próxima do original e, em momento que não é possível precisar, cada fólio foi autenticado pela aposição de uma assinatura (“Joam de Santar?” nos fols. 5-336 e “Çellema” nos fols. 337-436). A ausência de folha de rosto e de termos de abertura e encerramento não permite uma melhor identificação da natureza da sua produção administrativa. Porém, como muitos dos documentos legislativos, normativos e regulamentares relativos ao Hospital e instituições associadas são apenas conhecidas através desta série de livros, ela será por isso aqui utilizada, sendo por isso feita a presente salvaguarda. Pela importância que este alvará reveste para o esclarecimento desta questão e pelo facto do mesmo se encontrar ainda inédito, o seu dispositivo é analisado aqui de forma mais detalhada.. Nele, o regente D. Henrique lembra a organização do Juízo das Capelas anterior a 1564: não existindo na cidade e termo de Lisboa um provedor e contador dos resíduos, capelas, hospitais, albergarias e confrarias «apartado» como havia em cada comarca do reino, os feitos sobre as capelas da cidade e termo eram dirimidos pelo provedor e ouvidor do Hospital de Todos os Santos, ao passo que as causas referentes aos resíduos e ao provimento dos testamentos de defuntos eram julgados por alguns desembargadores da Casa do Cível. Argumentando com as carências que essa organização causava para o bom regimento das «almas»3Em virtude dessa organização, as capelas e suas instituições não eram providas como deviam, os encargos pios dessas mesmas e dos morgadios não eram cumpridos nem executados como se requeria, as contas dos testamentos dos defuntos não eram bem executadas, as últimas vontades dos testadores não eram cumpridas nem as respetivas fazendas arrendadas como deviam. De igual modo, os ouvidores e desembargadores não executavam as coisas que deviam, nem lhes eram tomadas contas pela inexistência de «residência». Para essa situação contribuía também o facto das respetivas decisões não serem sujeitas a apelação nem a agravo., o regente extingue o «juízo» do ouvidor sobre as capelas e o «juízo» dos desembargadores que julgavam os feitos dos resíduos e testamentos na Casa do Cível, conferindo as respetivas atribuições ao «provedor e contador dos resíduos e capelas», equiparando esta nova provedoria às suas congéneres comarcãs4O Regimento do provedor das capelas e resíduos de Lisboa, datado de 6 de Dezembro de 1564, alude às disposições deste alvará, ao referir expressamente a extinção dos «juízos dos resíduos do hospital da cidade de Lisboa» e ao aludir aos feitos e todas as outras coisas das capelas e da sua administração, aos encargos e contas dos morgados «que ate gora conhecia o ouvidor do hospital» (Ed. PMM4, p. 119-120)..

A referida Provedoria permaneceu ativa até à nova organização judiciária decretada pelo regime liberal, sendo extinta como as demais provedorias das comarcas do reino, através de dois decretos datados de 16 de maio desse ano: pelo artigo 2 do Decreto Nº 23, sobre a organização administrativa do reino, foram abolidas as anteriores circunscrições territoriais, nas quais se incluíam as provedorias5Ed. Colecção de Decretos, 1ª série, 1834, p. 76, art. 2.. Pelo Decreto Nº 24, relativo à nova organização judicial de Portugal e do Algarve, foram extintos todos os anteriores «tribunais, locais e oficiais de justiça» (artigo 38), passando as competências dos antigos magistrados a serem assumidas por «juízes de Direito», com competências para julgar todas as causas, «sem atenção à qualidade das pessoas, mas sim em satisfação da justiça» (artigo 272)6Ed. Colecção de Decretos, 1ª série, 1834, p. 99, art. 38 e p. 133-134, art. 272. (ver ficha Provedorias das Comarcas, ponto “Datas extremas de atividade”).

Documentos normativos (principais)

  • Alvará de extinção do Juízo dos hospitais, capelas, albergarias e confrarias da cidade de Lisboa e seu termo, ao qual sucedeu a Provedoria das Capelas e Resíduos de Lisboa,  datado de 4 de Dezembro de 15647Veja-se a nota 2, supra..
  • Regimento do Provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa, datado de 6 de dezembro de 15648Ed. PMM4, p. 119-121. ;
  • Alvará sobre a apelação das sentenças do Provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa para a Casa do Cível, datado de 16 de março de 15669Ed. Lião, 1569, fl. 40v. ;
  • Alvará sobre a jurisdição da Mesa da Consciência no âmbito dos resíduos, com adições ao Regimento do Provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa (1564) suscitadas pelos deputados daquela instituição,  datado de  15 de dezembro de 156610Ed. PMM4, p. 99-100.;
  • Alvará para que os Provedores das capelas, hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa não tomem em conta certidões de missas referentes às mesmas capelas e hospitais que não fossem assinadas pelos guardiães, priores ou sacristães, datado de 20 de fevereiro de 159511Ed. PMM5, p. 88.;
  • Ordenações Filipinas, com um título dedicado aos Provedores das Capelas e Resíduos da cidade de Lisboa,  o qual atualiza a normativa anterior (1604)12OF, liv. 1, tit. 50, §1-16.;

Competências

Gerais

As competências da Provedoria das Capelas e Resíduos de Lisboa e termo depreendem-se da normativa referente aos Provedores das Comarcas. Estas correspondiam a um conjunto alargado de atribuições em torno do funcionamento das instituições assistenciais e caritativas, da defesa das pessoas e património dos órfãos, da  auditoria da execução de testamentos, da supervisão da recolha e da alocação das rendas pertencentes ao rei ao nível concelhio e da manutenção de bens públicos comuns (muralhas, fortalezas e pontes) (ver ficha Provedoria das Comarcas, ponto “Competências”).

O Regimento do Provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa (1564) e as Ordenações Filipinas referem especificamente as competências daquele oficial sobre os testamentos (examinar os testamentos; tomar as contas da sua execução; informar-se as naus de regresso da Índia traziam testamentos, cadernos de fazendas ou letras de dinheiros de falecidos; fazer caderno dos legados dos testamentos aos cativos)18Ed. PMM4, p. 119-121; OF, liv. 1, tit. 50, §5-7, 9-10.;  a dotação de órfãs19OF, liv. 1, tit. 50, §8.; as instituições pias da cidade e termo (conhecer os compromissos dos hospitais, albergarias e confrarias; assegurar o seu registo no livro de tombo da instituição e tomar as contas aos respetivos administradores e oficiais)20Ed. PMM4, p. 120. e sobre os cativos (recolha e gestão das somas provenientes dos testamentos)21Ed. PMM4, p. 120-121 e OF, liv. 1, tit. 50, §5, 11-14..

Matéria vincular

A normativa existente (Regimento do Provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa (1564); Ordenações Filipinas) determina as competências da Provedoria sobre a tomada de contas, gestão de informação e o julgamento de processos de morgadios e capelas, assim como sobre a administração patrimonial e os capelães destas últimas22Ed. PMM4, p. 119-121; OF, liv. 1, tit. 50, prologo-§4..

Orgânica da instituição e funções dos seus agentes em temática vincular

Orgânica da instituição

A Provedoria das Capelas e  Resíduos de Lisboa organizou-se em torno de um magistrado, designado como Provedor e Contador dos Resíduos e Capelas na cidade e termo de Lisboa, e de um conjunto de escrivães36De acordo com o Regimento do Provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa (1564), ed. PMM4, p. 119-121..

As funções dos seus agentes

O provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa
O Regimento do Provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa (1564) e as Ordenações Filipinas determinam as seguintes competências deste magistrado a nível vincular:

  • Capelas
    • Conhecer as suas instituições37Ed. PMM4, p. 119; OF, liv. 1, tit. 50, prólogo.;
    • Tomar conta das suas rendas e encargos38Ed. PMM4, p. 119; OF, liv. 1, tit. 50, prólogo.;
    • Julgar os processo sobre as capelas e sua administração39Ed. PMM4, p. 120; OF, liv. 1, tit. 50, §1.;
    • Emitir sentenças interlocutórias e finais pertencentes a estas instituições e, inclusivamente, sobre dúvidas surgidas na prestação de contas, embora impondo-lhe o limite (alçada) de quatro mil reais nos pleitos sobre bens de raiz e seis mil reis nos bens móveis, montantes até aos quais eles poderiam julgar sem apelo nem agravo40Ed. PMM4, p. 120. .
    • Demarcar e medir os seus bens e propriedades41Ed. PMM4, p. 120; OF, liv. 1, tit. 50, §2.;
    • Mandar tombar o referido património em livro de tombo, com os traslados das instituições42Ed. PMM4, p. 120.;
    • Elaborar anualmente um caderno das capelas providos pelo provedor e dos tombos começados, devendo enviar os referidos cadernos aos Desembargadores do Paço43Ed. PMM4, p. 120; OF, liv. 1, tit. 50, §3.;
  • Morgadios
    • Conhecer as suas instituições44Ed. PMM4, p. 119; OF, liv. 1, tit. 50, prólogo.;
    • Tomar conta das suas rendas e encargos45Ed. PMM4, p. 119; OF, liv. 1, tit. 50, prólogo.;
    • Julgar os processo sobre os seus encargos e respetivas contas46Ed. PMM4, p. 120; OF, liv. 1, tit. 50, §1.;

As Ordenações Filipinas introduziram uma nova disposição na questão das certidões apresentadas pelos capelães47OF, liv. 1, tit. 50, §4. .

Escrivães
O Regimento do Provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa (1564) determinou a passagem para a nova provedoria dos escrivães que escreviam no «juízo» do ouvidor do Hospital de Todos os Santos, com poder para redigir instrumentos pertencentes «às coisas» de capelas, encargos de morgados, hospitais, albergarias e confraria. Encarregavam-se igualmente da escrituração das apelações que se davam do provedor, bem como da solicitação para o seu despacho junto das instâncias superiores de recurso48Ed. PMM4, p. 121, atualizada em OF, liv. 1, tit. 50, §16..

Relações com outras instituições sobre temática vincular

Dada a sua equiparação aos provedores das Comarcas, os Provedores das Capelas e Resíduos de Lisboa tinham, à semelhança dos primeiros, de informar o rei dos administradores de capelas suspensos49OF, liv. 1, tit. 62, §51. e se relacionar com os prelados e vigários-gerais dos prelados, no âmbito da partilha da jurisdição sobre os lugares pios entre a Coroa e a Igreja50OF, liv. 1, tit. 62, §39-44..

A partir da legislação específica contida no Regimento do Provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa (1564) as sentenças dadas pelo Provedor das Capelas e dos Resíduos de Lisboa sobre as capelas e respetiva administração, sobre os encargos dos morgados e a respetiva tomada de contas (e dúvidas sobre a mesma) eram passíveis de recurso para os três desembargadores mais antigos da Casa do Cível e despachadas sem possibilidade de agravo até ao valor de cem mil reais e com possibilidade de agravo para a Casa da Suplicação acima desse valor51Ed. PMM4, p. 120. Esta disposição foi derrogada por alvará de 16 de março de 1566, com os processos a transitarem para os Desembargadores, não de acordo com a respetiva antiguidade, mas por ordem de distribuição (Ed. Lião, 1569, fl. 40v). . A apreciação das sentenças interlocutórias, passíveis de agravo, seguiria o mesmo percurso, sendo necessário o acordo de dois desembargadores para produzir uma sentença final, da qual não se poderia apelar para a Casa da Suplicação ou para outro julgador52Ed. PMM4, p. 120.. Com a extinção dos Desembargadores da Casa do Cível e o estabelecimento de dois tribunais superiores em 1582, no âmbito da reforma judicial preconizada por D. Filipe I, as apelações das decisões dos Provedores das Capelas e Resíduos de Lisboa passaram a ser ouvidas diretamente pelos Desembargadores da Casa da Suplicação53OF, liv. 1, tit. 50, §16..

O trabalho desenvolvido pelos provedores no provimento das capelas e na elaboração dos respetivos tombos tinha de ser registado anualmente em cadernos, posteriormente enviados ao Desembargo do Paço54Ed. PMM4, p. 120 e OF, liv. 1, tit. 50, §3..