Datas extremas de atividade
A criação de paróquias no espaço rural e urbano português resultou de um processo de ordenamento que deixou vestígios a partir do séc. V. Depois da desorganização no tecido eclesiástico visigótico, entre os séculos VIII e XII, causada pela invasão e permanência muçulmanas, o avanço da “reconquista cristã” para sul (sécs. XII-XIII) viabilizou o restabelecimento de antigas ou a criação de novas paróquias, à medida que os prelados das dioceses restauradas definiram o quadro fiscal imposto aos fiéis para a manutenção do clero paroquial e o conjunto dos direitos e obrigações destes últimos. Uma vez que as circunscrições paroquiais nesse período dispunham ainda de contornos fluidos, a necessidade de estabelecer de forma clara os contribuintes das exações eclesiásticos conduziu à delimitação do território paroquial do reino entre a segunda metade do século XIII e o princípio do século XIV. A malha paroquial portuguesa manteve-se com uma grande estabilidade em termos do número de circunscrições e da respetiva geografia entre os séculos XV a XVIII1Parágrafo baseado em Mattoso, 2000, p. 273-76; Paiva, 2000, p. 189.. As paróquias mantêm-se até à atualidade2Veja-se o elenco das 4375 paróquias atualmente existentes em Portugal, de acordo com o Anuário Católico, em http://www.anuariocatolicoportugal.net/lista_paroquias.asp?offset=0 (consul. 25.11.2020)..
Documentos normativos (principais)
Desde o período medieval, os titulares das paróquias encontram-se subordinados ao bispo a quem devem fidelidade e obediência3Gaudemet, 1979, p. 257; Enes, 2000, p. 361. O primeiro deste autores observa a dificuldade em definir a paróquia medieval do ponto de vista jurídico (p. 220).. As suas obrigações e competências são regidas pela mesma normativa que regula, ao nível da diocese, as atividades e o funcionamento das restantes instituições eclesiásticas sob jurisdição episcopal (constituições sinodais, regimentos de auditórios eclesiásticas e regimentos de visitação) (ver o respetivo elenco na ficha Diocese, ponto “Relações com outras instituições sobre temática vincular”)4Gaudemet, 1979, p. 257; Paiva, 2000a, p. 189; Paiva, 2000b, p. 9..
Competências
Gerais
As paróquias destinavam-se a enquadrar religiosamente os fiéis que viviam no seu seio, providenciando o necessário serviço litúrgico, pastoral e sacramental por delegação do ordinário sobre um território determinado e sob a responsabilidade de um clérigo, o que implicava, em termos materiais, a existência de uma pia batismal e de um cemitério7Gaudemet, 1979, p. 224; Rodrigues, 2006, p. 74..
Matéria vincular
As igrejas paroquiais e ermidas sufragâneas constituíram espaços importantes de acolhimento para capelas fúnebres administradas por leigos ou por confrarias que aí tinham as respetivas sedes (veja-se, sobre estas últimas, a ficha «Confrarias»). As relações que os seus párocos e beneficiados mantinham com tais capelas situavam-se, sobretudo, ao nível do cumprimento dos respetivos encargos litúrgicos, expresso nas condições impostas pelos instrumentos de fundação e pela regulamentação diocesana, nomeadamente aquando da visitação canónica efetuada pelo bispo ou pelo seu representante8Rosa, 2012, p. 368–370, 378, 577; Silva, 2009, p. 586; Silva, 2012, p. 38-39. As ligações seriam muito mais limitadas em áreas como a gestão patrimonial, a qual pertencia distintamente ao administrador (no caso da capela) e à fábrica (no caso da igreja). Para a definição desta última, veja-se Gaudemet, 1979, p. 279-280..
Orgânica da instituição e funções dos seus agentes em temática vincular
Orgânica da instituição
As igrejas paroquiais eram geralmente servidas por um pároco, o qual poderia ser identificado de várias formas (abade, vigário, cura, entre outros)17Sobre esta questão, veja-se Rodrigues, 2000b, p. 360-361.. Aquelas que dispunham de rendimentos suficientes dispunham de um grupo de clérigos beneficiados organizados em colegiada, a qual era composta por uma dignidade, designada de prior, reitor ou vigário e por um conjunto de raçoeiros18Rodrigues, 2000, p. 399-400..
As funções dos seus agentes
Pároco e beneficiados (no caso das colegiadas)
A intervenção do pároco ou dos membros da colegiada na administração das capelas fundadas na igreja paroquial incidiu sobretudo sobre a questão do cumprimento dos legados pios. A título ilustrativo, as visitações quatrocentista à colegiadas de Santiago de Óbidos referem a obrigatoriedade dos respetivos priores e raçoeiros de mandar celebrar as missas por cumprir das capelas fundadas na referida igreja, assim como de enviar anualmente ao arcebispo o nome dos capelães e dos administradores, assim como os rendimentos das capelas fúnebres situadas nas igrejas sob a sua tutela19Pereira, 1967-1969, p. 123 (visitação de 1446); p. 177 (visitação de 1467).. As suas atribuições a este nível poderiam também ser expressas nas respetivas instituições: na visitação de 1498, refere-se que o fundador de uma capela, situada no Peral, havia estabelecido que esta fosse visitada pelo prior e raçoeiros da referida igreja20Pereira, 1970, p. 112; Rosa, 2012, p. 85..
As diversas constituições diocesanas produzidas no século XVII contêm disposições sobre a responsabilidade do pároco em mandar escriturar e conservar a documentação pertencente à igreja, nomeadamente aquela respeitante às instituições vinculares aí sedeadas. Para isso, todos aqueles que possuíssem escrituras pertencentes à igreja (notários, tabeliães, escrivães, testamenteiros herdeiros) dispunham de 15 dias para exibi-los ao pároco21Constituições Portalegre, 1632, Liv. 4, tit. 4, cap. 2, art. 6, fl. 179; Constituições Lisboa, 1656, Liv. 1, tit. 10, dec. 2, art. 2, p. 345; Constituições Guarda, 1686, Liv. 4, tit. 4, cap. 6, art. 7, p. 405 e Constituições Porto, 1690, Liv. 4, tit. 4, c. 2, art. 1, p. 391., de modo a este pudesse ordenar um conjunto de três registos:
- As constituições da diocese de Portalegre, datadas de 1632, determinavam que o pároco da igreja paroquial era responsável, no prazo de seis meses, pela elaboração de um livro, no qual se consignasse o registo de todas as celebrações litúrgicas de caráter votivo22Constituições Portalegre, 1632, Liv. 4, tit. 4, cap. 2, art. 4, fl. 178v; Constituições Porto, 1690, Liv. 4, tit. 4, c. 2, art. 1, p. 391.;
- As constituições de Portalegre (1632), Lisboa (1656), Lamego (1683), Guarda (1686) e Porto (1690) ordenavam que os referidos párocos procedessem à elaboração, no prazo de um mês, de um outro livro para o registo das verbas das instituições de capelas, doações, testamentos ou últimas vontades23Constituições Portalegre, 1632, Liv. 4, tit. 4, cap. 2, art. 5, fl. 178v-179; Constituições Lisboa, 1656, Liv. 1, tit. 10, dec. 2, art. 2, p. 345; Constituições Lamego, 1683, Liv. 4, tit. 9, cap. 3, art. 1-2, p. 347; Constituições Guarda, 1686, Liv. 4, tit. 4, cap. 6, art. 1, p. 403 e Constituições Porto, 1690, Liv. 4, tit. 4, c. 2, art. 1, p. 391.8;
- Com a exceção do caso de Lamego, todas as restantes constituições mencionadas na alínea anterior instavam o pároco a manter um caderno numerado dos encargos perpétuos anuais existentes na igreja, como da identificação dos administradores de capelas, dos possuidores de morgados e dos bens adscritos aos encargos litúrgicos aí estabelecidos. Para além disso, neste último caso, o caderno teria de conter igualmente a identificação dos foreiros e as condições de locação dos bens vinculados às referidas capelas e morgados. Tais registos deveriam ser mostrados aos visitadores aquando de cada visitação efetuada à igreja24Constituições Lisboa, 1656, Liv. 1, tit. 10, dec. 2, art. 2, p. 345; Constituições Lamego, 1683, Liv. 4, tit. 9, cap. 3, art. 4, p. 348; Constituições Guarda, 1686, Liv. 4, tit. 4, cap. 6, art. 6, p. 404-405 e Constituições Porto, 1690, Liv. 4, tit. 4, c. 2, art. 1, p. 391..
Relações com outras instituições sobre temática vincular
Os membros do clero adscritos ao serviço da igreja paroquial tinham a obrigatoriedade de informar as autoridades diocesanas (bispo e o visitador, aquando da visitação) sobre a identidade dos administradores e sobre o cumprimentos dos encargos pios adscritos às capelas sedeadas nas suas igrejas, o que implicava, desde logo, uma relação com os respetivos capelães e administradores (ver acima o ponto “Orgânica da instituição e funções dos seus agentes”)25Mattoso, 2000, p. 376; Rosa, 2012, p. 581-582..