Datas extremas de atividade

Este tribunal da administração central evoluiu das atribuições judiciais da Corte régia (Curia regia) dos primeiros séculos da Monarquia portuguesa, sendo designado preferencialmente até meados do século XV como Casa da Justiça da Corte e depois como Casa da Suplicação1Hespanha, 1982, p. 335; Testos, 2011, p. 23-24; Testos, 2018b, p. 145, nota 22.. Esta última manteve o seu caráter itinerante até à reforma judicial preconizada pelo rei D. Filipe I em 1582, que levou à sua fixação em Lisboa2Definidas em 1582, as mesmas foram quase integralmente incorporadas nas Ordenações Filipinas. Testos, 2018b, p. 119..

Documentos normativos (principais)

  • Ordenações Afonsinas (c. 1446)3OA, liv. 1, tit. 1, 2, 4, 7, 16. ;
  • Ordenações Manuelinas (1521)4OM, liv. 1, tit. 1-2, 4-12.;
  • Regimento do chanceler da Casa da Suplicação, datado de 10 de outubro de 15345Ed. Lião, 1569, fl. 5-6v; Testos, 2017, p. 90.;
  • A Primeira parte das Leis extravagantes compiladas por Duarte Nunes de Lião tem títulos específicos para alguns dos seus oficiais: Desembargadores (tit. 5, leis 1 a 20); Corregedores do Crime (tit. 6, leis 1 a 3); Ouvidores do Crime (tit. 8, lei única); Procurador dos feitos do rei na Casa da Suplicação (tit. 9, leis 1 a 6)6Ed. Lião, 1569, fl. 22-28v, 30v-31v; Testos, 2018b, p. 148, nota 50..

Competências

Gerais

Este tribunal caracterizou-se pela itinerância – porquanto acompanhava o rei nas suas deslocações – com competência para julgar as apelações dos feitos criminais provenientes de todo o reino (com a exceção de Lisboa e seu termo) e as apelações dos processos cíveis na região onde o rei estanciasse22Marques, 1987, p. 298..

Em virtude da crescente complexificação das instituições judiciais no reino a partir dos finais da Idade Média, as suas competências acabaram por se focar no despacho dos agravos provenientes dos tribunais régios e inferiores23Testos, 2011, p. 28. Com a consequentemente perda de jurisdição sobre a matéria de graça em termos de justiça atribuída a um novo tribunal (ver ficha Desembargo do Paço, ponto “Competências”)., das apelações dos feitos cíveis e criminais, dos processos pertencentes aos locais onde a Corte estanciava24As Ordenações Afonsinas determinaram que a Casa da Suplicação julgasse as apelações dos processos criminais de Lisboa e seu termo, quando o rei estivesse na cidade (Testos, 2018b, p. 145). e das causas pertencentes à Fazenda e direitos régios, núcleos que viram a estruturar a sua orgânica (ver abaixo, ponto “Orgânica da instituição e funções dos seus agentes”) em audiências específicas25Hespanha, 1982, p. 340-341..

Em 1529, a extinção do ofício de sobrejuíz  da Casa do Cível ditou a divisão do despacho de processos cíveis entre as duas instituições26Ed. Lião, 1569, fl. 74-75v; Testos, 2016, p. 111, nota 9.; esta medida foi revogada em 1559, com a restituição à  Casa do Cível do despacho das apelações cíveis de todo reino, de qualquer quantia27Ed. Lião, 1569, fl. 75v-76; Testos, 2016, p. 111..

Para além dos feitos que lhes cabia dirimir na sua própria audiência, os magistrados da Casa da Suplicação podiam ser chamados a assumir competências de outros magistrados e comissões específicas em nome do rei. Um dos casos em que se verificaram comissões deste tipo foi justamente nos processos sobre as matérias associadas aos interesses de defuntos e «ausentes». A Casa da Suplicação foi chamada a julgar, desde 1459, os feitos cíveis sobre os resíduos e os cativos, em virtude da sobrecarga então verificada da Casa do Cível com o despacho desta matéria28Parágrafo baseado em Testos, 2011, p. 25, 29; Testos, 2018b, p. 145..

Matéria vincular

No âmbito das reformas das capelas e instituições de assistência, D. Manuel I criou uma comissão especial de desembargadores da Casa da Suplicação para, conjuntamente com o provedor e juiz dos hospitais, capelas, albergarias e confrarias de Lisboa e seu termo, assumir o despacho os processos relacionados com esta temática (ver ficha Juízo dos hospitais, capelas, albergarias e confrarias de Lisboa e seu termo, ponto “Competências”)29Porventura extensível aos resíduos e órfãos, de acordo com carta régia em que   se intitula «Desembargador dos feitos das capelas, hospitais e resíduos e órfãos» (Testos, 2011, p. 37). Contudo esta comissão não se confunde com uma outra, praticamente coincidente no tempo, de um «Desembargador das capelas, hospitais, albergarias, gafarias, confrarias, resíduos, órfãos e suas propriedades e rendas», com alçada por todo o reino, a qual beneficiou de um estudo específico das suas competências e agentes em Rosa, 2012.. Esta comissão foi composta por três desembargadores então pertencentes ao Juízo dos agravos e apelações, a saber Diogo Lopes de Carvalho, Diogo Pinheiro e Brás Neto30Sobre os seus percursos, veja-se Testos, 2011, p. 37-38, 128, 148., mantendo-se em funções entre 1498 e 1506.  Dissolvida com a nomeação de um novo provedor em 1506, foi reativada quatro anos mais tarde, agora com um conjunto de desembargadores ligados à Casa do Cível (ver fichas Casa do Cível, ponto “Competências” e Juízo dos hospitais, capelas, albergarias e confrarias de Lisboa e seu termo, pontos “Orgânica da instituição e funções dos seus agentes” e “Relações com outras instituições sobre temática vincular”).

A partir de 1510, com a passagem deste juízo para a tutela da Casa do Cível, as sentenças emitidas nesta matéria passaram a ser objeto de apelo e agravo para um magistrado da Casa da Suplicação, comissionado pelo rei, designado de «desembargador das Capelas»31OM, liv. 2, tit. 35, §50. Estes magistrados surgem aí identificados como «Desembargadores das Capelas para isso deputados na Casa da Suplicação». ou de «juiz dos feitos das capelas, albergarias, confrarias, resíduos e órfãos da Casa da Suplicação»32Em carta régia de nomeação do doutor Brás Neto em 7 de fevereiro de 1511, referido em Testos, 2011, p. 148.. Em virtude da sua jurisdição delegada, os poderes deste magistrado não foram objeto de uma delimitação específica nas Ordenações Manuelinas, para além da alusão à sua competência no despacho dos processos sobre o património das capelas33OM, liv. 2, tit. 35, §50..

Esta magistratura foi abolida no início da década seguinte, uma vez que as suas competências em receber as sentenças interlocutórias e finais sobre capelas e resíduos34Alvará de 15 de junho de 1523, transcrito nos livros de registo oficiais da Casa da Suplicação, ed. Livro terceiro das extravagantes (TT, Feitos Findos, Casa da Suplicação, liv. 3, fl. 50v-52)., assim como as apelações e agravos dos processos dos mamposteiros-mores dos cativos, passaram ambas para a responsabilidade dos Desembargadores do Agravo da Casa da Suplicação35Competência referida em carta de 8 de julho de 1529, ed. Lião, 1569, fl. 74v-75v..

Esta forma de proceder manteve-se até à passagem das apelações dos feitos civis para a Casa do Cível, por ordenação de 23 de setembro de 155936Lião, 1569, fl. 75v-76.. As apelações sobre os processos relacionados com as capelas e morgados se viram então arredadas da Casa da Suplicação, até que a reforma filipina de 1582 repôs a prática anteriormente vigente (ver ficha Casa da Suplicação (1582-1833), ponto “Competências”).

Orgânica da instituição e funções dos seus agentes em temática vincular

Orgânica da instituição

A instituição foi dirigida por um regedor, responsável pela organização e fiscalização do tribunal, ao qual se juntava o chanceler, apto para validar as cartas de sentença e participar na mesa principal, sendo estes os cargos mais importantes de um tribunal com uma estrutura complexa40Parágrafo baseado em Testos, 2011, p. 25-6. Para uma análise mais fina da orgânica e hierarquia da Casa da Suplicação, ver Hespanha, 1982, p. 340-342; Camarinhas, 2014, p. 229-230..

Composta a partir da segunda metade do século XV por dois ouvidores do cível e dois do crime, a orgânica do tribunal institucionalizou-se em torno de duas mesas (a principal e a do crime) e nos seguintes julgados principais, a partir do século XVI: Agravos e Apelações, Ouvidoria do Crime, Feitos do Rei e o Juízo da Chancelaria41Parágrafo baseado em Marques, 1987, p. 248, 299;  Testos, 2011, p. 24, 97; Hespanha, 2015, §232-237; Testos, 2018b, p. 149..

As funções dos seus agentes

Os Desembargadores do Paço e Petições (e dos Agravos) designavam-se inicialmente como Desembargadores do Paço e dos Agravos. A separação formal entre desembargadores do Paço e desembargadores dos Agravos, ocorrida em 1521 no âmbito das Ordenações Manuelinas, conduziu à formação da «repartição» chamada Juízo dos Agravos (ver acima, ponto “Orgânica da instituição e funções dos seus agentes”), designando-se doravante os seus membros como Desembargadores dos Agravos. Estes magistrados julgavam em pares, embora pudesse ser chamado um terceiro desembargador para desempatar ou confirmar decisões chamado «Terceiro dos Agravos». As sentenças pronunciadas eram passíveis de revisão (revista) em casos específicos (falsidade de prova, suborno aos julgadores e especial mandado régio)42Parágrafo baseado em Testos, 2011, 29-30, 75; Cabral, 2013, p. 73..

Fizeram parte deste Juízo os desembargadores destacados para o Juízo dos Hospitais e Capelas (1499-1506) e para o juízo das capelas, albergarias, confrarias, resíduos e órfãos, a partir de 1510 (ver acima, ponto “Competências”). Nos momentos de eclipse destes magistrados «específicos» ou da passagem de competências para os seus homólogos da Casa do Cível, competiu aos desembargadores dos Agravos a apreciação dos processos de apelação e agravo em matéria de capelas e instituições pias (ver acima, ponto “Competências”).

Relações com outras instituições sobre temática vincular

A Casa da Suplicação dispunha de autonomia no despacho dos feitos, dada a parca intervenção régia no contencioso do tribunal43Testos, 2011, p. 17.. Relacionava-se com os demais tribunais da administração central e periférica por servir de instância de agravo e de apelação das respetivas decisões (ver acima, ponto “Competências”), cabendo-lhe as apelações do Juízo das Capelas, hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa entre 1506 e 1510 e das Casa do Cível sobre os feitos sentenciados em primeira instância pelos Provedores dos Resíduos e Capelas de Lisboa (1564-1582)44Ver respetivamente Rosa, 2012, p. 284, 287 e OF, liv. 1, tit. 50, §16. (ver ficha Juízo dos hospitais, capelas, albergarias e confrarias da cidade de Lisboa e seu termo (1493-1564) e ficha Casa do Cível, ponto “Relações com outras instituições sobre temática vincular”).