Datas extremas de atividade
O estabelecimento de um oficial responsável pelas capelas e instituições de assistência de Lisboa e seu termo resultou de um processo reformador iniciado por D. Duarte no domínio dos resíduos (primeira referência a um juiz dos resíduos com jurisdição por todo o reino em 1435), com prolongamento nas reformas das instituições pias levadas a cabo nos reinados de D. Afonso V e D. João II1Na ausência de menções expressas ao termo «provedoria» na documentação consultada para a elaboração da presente ficha, optámos por designar esta última em função da titulatura do respetivo oficial.. Entre outros aspetos, tais reformas originaram a institucionalização de oficiais ao nível da comarca com jurisdição sobre os resíduos, terças, hospitais, capelas, albergarias e gafarias2As diversas reformas das instituições pias do reino levadas a cabo entre os reinados de D. Duarte e D. Manuel foram objeto de um estudo detalhado e crítico das fontes utilizadas em Rosa, 2012, pp. 168-243.. A complexidade do caso olisiponense justificou que D. João II tivesse comissionado, pouco depois, o cónego Estêvão Martins como provedor para os hospitais, albergarias e capelas de Lisboa e termo (primeira referência à atividade deste oficial régio em 15 de janeiro de 1493)3Carta de emprazamento de bens do hospital de Santa Maria dos Sapateiros. Para a crítica documental sobre a primeira referência de Estêvão Martins como provedor e juiz dos hospitais, capelas, albergarias e confrarias de Lisboa e termo, veja-se Rosa, 2012, p. 228.. Com a sua nomeação como provedor do Hospital de Todos os Santos em 1502, Estêvão Martins assumiu simultaneamente a supervisão sobre o funcionamento deste último e das capelas e restantes instituições pias olisiponenses4Como atesta a dupla titulatura de «provedor-mor e juiz dos hospitais, capelas, albergarias e confrarias em Lisboa e termo por especial mandado e comissão do rei» na documentação referente à atividade de Estêvão Martins no reinado de D. João II, a qual foi objeto de um levantamento exaustivo em Rosa, 2012, p. 698-700 quadro I.. Com a exceção de curtos períodos como em 1509-1510, o provedor do Hospital de Todos os Santos foi também provedor das capelas, hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e termo ao longo do reinado manuelino5Maria de Lurdes Rosa identifica e analisa os períodos em que estas provedorias andaram na posse de um mesmo oficial ou distintas em magistrados diferentes, para um arco temporal entre a morte de Estêvão Martins em 1506 e o final do reinado de D. Manuel I (Rosa, 2012, p. 323, 278, 283-288)..
A manutenção dessa «geminação» de atribuições num mesmo oficial levou a que as competências sobre as capelas e instituições pias de Lisboa viessem posteriormente a ser arrogadas por oficiais pertencentes ao Hospital de Todos os Santos: em 1545, o ofício de provedor das Capelas de Lisboa era desempenhado pelo ouvidor desta instituição6Alvará de 10 de Janeiro de 1545, ed. Lião, 1569, fl. 106v-107.. Juntamente com o provedor do Hospital de Todos os Santos, este último manteve-se, até 1564, como responsável pelo «negocio das ditas capelas da dita cidade e seu termo»7Alvará de 10 de Janeiro de 1545, ed. Lião, 1569, fl. 106v-107.. Com a extinção do juízo das capelas de Lisboa, nesse mesmo ano, as suas competências sobre as capelas da cidade e termo passaram definitivamente para o «provedor e contador dos resíduos, capelas, hospitais, albergarias e confrarias» de Lisboa, uma magistratura criada nessa altura, no âmbito da passagem da jurisdição do Hospital de Todos os Santos para a Misericórdia de Lisboa8Como consta de alvará de 4 de Dezembro de 1564 (Rosa, 2012, p. 283, nota 426). Trata-se de um documento extremamente importante para o esclarecimento desta questão, o qual permanece inédito, em Livro I do Registo Geral (TT, Hospital de São José, liv. 940, fl. 248-248v), recopiado na “Reforma” do livro anterior, intitulado Livro de Registo Geral do Hospital de Todos-os-Santos. Cópia dos Diplomas Registados no Iivro 1 (1501-1606) do Registo Geral. Reforma do Século XVIII (TT, Hospital de S. José, liv. 1116, fl. 322v-324v). O livro com a cota nº 940 é um códice de registo em papel – aparentando uma unidade codicológica única desde a sua criação e sem indicação de reunião posterior de cadernos – de uso dos escrivães/escrivães da Fazenda do Hospital, sem data atribuída pelos arquivistas da Torre do Tombo, que reúne traslados de documentos normativos vários, de 1501 a 1606, fazendo parte de uma série de documentação afim, atualmente intitulada “Registo geral”. Na sua grande maioria, estes traslados encontram-se certificados pelo escrivão do Hospital em data geralmente próxima do original e, em momento que não é possível precisar, cada fólio foi autenticado pela aposição de uma assinatura (“Joam de Santar?” nos fols. 5-336 e “Çellema” nos fols. 337-436). A ausência de folha de resto e de termos de abertura e encerramento não permite uma melhor identificação da natureza da sua produção administrativa. Porém, como muitos dos documentos legislativos, normativos e regulamentares relativos ao Hospital e instituições associadas são apenas conhecidas através desta série de livros, ela será por isso aqui utilizada, sendo por isso feita a presente salvaguarda. Pela importância que este alvará reveste para o esclarecimento desta questão e pelo facto do mesmo se encontrar ainda inédito, o seu dispositivo é analisado aqui de forma mais detalhada. (ver ficha Provedoria dos Resíduos e Capelas de Lisboa (1564-1832).
Documentos normativos (principais)
- Legislação avulsa referente ao ofício de provedor das capelas e hospitais de Lisboa (1496-1520), a qual se encontra dispersa por diversos fundos em virtude da inexistência de um arquivo pertencente à referida Provedoria9Legislação recenseada em Rosa, 2012, p. 701-705, Quadro II.;
- Regimento da Provedoria dos hospitais e capelas de Lisboa, do reinado de D. João II (1494-1495), identificado a partir de referências documentais e sem que se conheça qualquer exemplar10Rosa, 2012, p. 230, 269, nota 269.;
- Regimento das capelas e dos hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e do seu termo, em carta enviada ao provedor Estêvão Martins e aos provedores presentes e futuros, datada 14 de janeiro de 150411Título atribuído ao R1504 pelos mais recentes editores em PMM3, p. 107-118..
Competências
Gerais
O Regimento das capelas e dos hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e do seu termo (1504) elencou as prerrogativas e obrigações dos provedores sobre o funcionamento e a gestão patrimonial dos hospitais, albergarias e confrarias existentes em Lisboa e no seu termo18R1504, ed. PMM3, p. 113-114. A parte sobre as instituições de assistência é individualizada da anterior pela aposição do seguinte título no próprio documento: «Regimento que pertence aos espritaaes e alberguarias e comfraryas» (R1504, ed. PMM3, p. 113)..
Matéria vincular
O Regimento das capelas e dos hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e do seu termo (1504) sistematizou as prerrogativas e funções dos provedores em torno dos seguintes temas associados às capelas de Lisboa e respetivo termo:
- Registo da informação sobre os capelães apresentados e as capelas existentes em Lisboa e seu termo19R1504, ed. PMM3, p. 107.;
- Capelães das capelas20R1504, ed. PMM3, p. 107, 109-110.;
- Administradores21R1504, ed. PMM3, p. 111.;
- Merceeiras22R1504, ed. PMM3, p. 110.;
- Jurisdição sobre as capelas e seu património, nomeadamente em termos dos pleitos de ordem patrimonial respeitantes às referidas instituições23R1504, ed. PMM3, p. 111-112; Rosa, 2012, p. 281..
O desempenho de competências jurisdicionais sobre as capelas olisiponenses e sobre o seu património levou a que este oficial tivesse uma real participação e intervenção no funcionamento do Juízo das Capelas, não sendo por isso fácil de atribuir a uma instituição precisa (à sua «provedoria» ou ao Juízo das Capelas), as atividades de gestão e de julgado exercida por este oficial sobre as capelas de Lisboa e seu termo.
Orgânica da instituição e funções dos seus agentes em temática vincular
Orgânica da instituição
O Regimento das capelas e dos hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e do seu termo (1504) menciona as atribuições do provedor dos hospitais, capelas, albergarias e confrarias da cidade de Lisboa, bem como de um recebedor dos dinheiros e de um escrivão, responsáveis pela operacionalização e pelo registo administrativo das atividades que cabiam nas respetivas áreas de atividade52R1504, ed. PMM3, p. 107-115..
As funções dos seus agentes
O provedor das capelas, hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e seu termo
De acordo com o Regimento das capelas e dos hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e do seu termo (1504), este magistrado exercia as seguintes competências sobre as capelas da cidade e do termo:
- Registo de informação
- Conhecer a realidade das capelas da cidade e termo, através de um conjunto de mecanismos ligados à obrigatoriedade de apresentação pelos administradores dos testamentos, instituições, ordenações (ou traslados com os necessários elementos autenticadores) e tombos53R1504, ed. PMM3, p. 112-113. das suas capelas54O seu incumprimento originava a suspensão do administrador e a elaboração de uma inquirição para se conhecer o património e os encargos da capela. Competia ao provedor enviar a referida inquirição ao monarca que procederia à substituição do administrador segundo «a sua mercê». R1504, ed. PMM3, p. 114-115.;
- Fazer um livro em cânhamo para assentar todas as capelas de Lisboa e seu termo55R1504, ed. PMM3, p. 107.;
- Anotar anualmente em livro as apresentações dos capelães feitas pelos administradores das capelas56R1504, ed. PMM3, p. 109..
- Intervenção nos processos de nomeação e remuneração das capelas
- Conhecer os capelães e saber se rezavam as missas como deviam57R1504, ed. PMM3, p. 107.;
- Receber as apresentações dos capelães, no dia 24 de Junho58R1504, ed. PMM3, p. 109.;
- Caso os candidatos não fossem excomungados, não tivessem manceba pública ou fossem clérigos regulares com autorização para «ter capela», o provedor receberia a referida apelação, emitiria uma certidão comprovativa e registá-la-ia para si em livro específico59R1504, ed. PMM3, p. 109-110.;
- Pagar aos clérigos e frades o valor das missas rezadas, devendo para o efeito assinar as quitações dos pagamentos efetuados, as quais eram lançadas no livro de receita do escrivão do recebedor das capelas60R1504, ed. PMM3, p. 108.;
- No caso das capelas situadas em mosteiros isentos com administração leiga, o provedor receberá juramento do apontador em como este fará cumprir os encargos pios associados às mesmas61R1504, ed. PMM3, p. 110..
- Verificar o trabalho dos administradores e intervir na administração em caso de necessidade
- Tomar as contas das capelas aos respetivos administradores62R1504, ed. PMM3, p. 115.;
- Providenciar a venda da produção agrícola (frutos) gerada pelas propriedades das capelas, caso as suas rendas não fossem suficientes para assegurar a satisfação dos encargos pios adscritos às mesmas63R1504, ed. PMM3, p. 107-108.;
- Receber do recebedor das capelas os róis com a identificação dos administradores que não tivessem procedido aos pagamentos adscritos às capelas que administram64R1504, ed. PMM3, p. 108.;
- Chamar o alcaide de Lisboa, para que este penhore os administradores que não pagassem aos capelães65R1504, ed. PMM3, p. 111..
- Merceeiras
- Receber as apresentações das merceeiras a prover nas capelas que têm essa obrigação66R1504, ed. PMM3, p. 110..
- Jurisdição
- Efetuar obrigatoriamente a visitação de cada capela da cidade e termo entre a Páscoa e Pentecostes, durante a qual deverá ver se têm ornamentos e o mais que pertencer67R1504, ed. PMM3, p. 111..
- Julgar processos sobre as capelas e os compromissos, sendo que, neste último caso, unicamente no que respeitasse aos rendimentos dos administradores, quando não houvesse rendas para satisfazer os encargos expressos nos mesmos68R1504, ed. PMM3, p. 112.;
- Julgar os processos referentes aos foreiros do património dos hospitais e capelas de Lisboa69R1504, ed. PMM3, p. 113. Essa prerrogativa encontra-se anteriormente plasmada em carta régia datada de 22 de fevereiro de 1499 (Ed. PMM3, p. 225).;
- No âmbito dos processos de aforamento de bens de capelas ordenados pelo rei, o provedor tinha de fixar um prazo para a apresentação do foreiro. No caso da condenação do administrador, o provedor tinha de requerer à justiça régia a execução dos bens alienados e assegurar a restituição dos bens ao referido possuidor70R1504, ed. PMM3, p. 114-115.;
- Suspender ou reter rendimentos do recebedor das capelas71R1504, ed. PMM3, p. 111..
O recebedor das capelas
O Regimento das capelas e dos hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e do seu termo (1504) adscrevia a este oficial as seguintes competências e responsabilidades:
- Receber dos administradores dos montantes das missas72R1504, ed. PMM3, p. 107-108. ;
- Avisar o provedor no caso dos administradores não pagarem os montantes das missas73R1504, ed. PMM3, p. 107-108.;
- Deslocar-se, juntamente com o seu escrivão, mensalmente igrejas e mosteiros de Lisboa e inteirar-se pessoalmente se os respetivos capelães rezavam as missas como deviam74R1504, ed. PMM3, p. 112.;
- «tomar recado» das capelas e altares em que as missas se deveriam realizar75R1504, ed. PMM3, p. 112..
O escrivão do recebedor das capelas
O Regimento das capelas e dos hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e do seu termo (1504) obrigava este oficial a
- manter um livro de receita, no qual tinha de redigir todos os montantes dados pelos administradores das capelas ao recebedor, especificando-se a forma de redação76R1504, ed. PMM3, p. 110-111.. Com esse propósito, qualquer pagamento feito recebedor teria de ser efetuado na sua presença e redigido no referido livro77R1504, ed. PMM3, p. 111.;
- Deslocar-se, juntamente com o recebedor, mensalmente igrejas e mosteiros de Lisboa e inteirar-se pessoalmente se os respetivos capelães rezavam as missas como deviam78R1504, ed. PMM3, p. 112.;
- «tomar recado» das capelas e altares em que as missas se deveriam realizar deviam79R1504, ed. PMM3, p. 112..
Relações com outras instituições sobre temática vincular
O provedor era responsável por enviar ao rei as informações sobre a suspensão de administradores e as inquirições efetuadas ao seu trabalho80De acordo com o Regimento das capelas e dos hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e do seu termo (1504). R1504, ed. PMM3, p. 114-115.. Ainda segundo o Regimento das capelas e dos hospitais, albergarias e confrarias de Lisboa e do seu termo (1504), as justiças régias de atuação local (juízes, tabeliães) tinham vinte dias para cumprir as suas ordens, sendo que o provedor dispunha do poder de chamar o alcaide de Lisboa para que este recebesse o rol dos administradores e penhorasse aqueles que não efetuassem os pagamentos adscritos às capelas que administravam81R1504, ed. PMM3, p. 108-109, 111.. Em caso de incumprimento do alcaide, o provedor encontrava-se em posição de requerer ao governador da Casa do Cível o pagamento do valor da referida penhora, a retirar do salário do próprio alcaide incumpridor82R1504, ed. PMM3, p. 111. .