Datas extremas de atividade

Nos alvores de Seiscentos a Coroa começou a tomar medidas conducentes à criação de um organismo permanente e exclusivo, no seio da administração central, vocacionado para arrolar, tombar, para julgar causas e pleitos das Capelas que vagaram para a Coroa e arrecadar os seus rendimentos. Este núcleo específico de vínculos caracterizava-se pelo direito que pertencia à Coroa de nomear as suas administrações, devido à extinção da linhagem do seu instituidor, ao incumprimento dos legados pios ou à deficiente gestão ou alienação dos bens vinculados.

Filipe II considerou ser necessário proceder à reabilitação do sistema regulador e moralizante do cumprimento dos legados pios das capelas com administração vacante, que havia sido iniciado pelo rei D. Manuel1Rosa, 2012, p. 276-288., mas também optimizar a gestão de um importante ramo da receita do Estado que passaria a ser utlizado, sobretudo, como instrumento de remuneração de serviços.

A fase inicial deste organismo permanece, ainda, um pouco obscura, devido à dispersão do seu dispositivo normativo e regulamentar, tal como do seu cartório que se constitui como a evidência de uma praxis jurídica que é essencial para a sua compreensão em profundidade do seu funcionamento2O cartório do Juízo das Capelas da Coroa encontra-se hoje disperso por vários fundos, a saber: Juízo das Capelas da Coroa, acessível em https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4206684 (consultado em 20.04.2022); Feitos da Coroa, em especial a série Livros das Capelas da Coroa, acessível em https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4182620 (consultado em 20.04.2022); e duas partes no Conselho da Fazenda, uma que se encontra disponível em https://digitarq.arquivos.pt/details?id=3909746 (consultado em 20.04.2022) e outra que foi incorporada em 1992, composta por cerca de 87 livros e 600 caixas, e que se encontra presentemente a ser inventariada por Abel Rodrigues no âmbito da sua tese de doutoramento intitulada “Para o serviço de Deus e do Rei: a gestão da informação das Capelas da Coroa (Portugal, sécs. XV-XVII). Sobre a documentação do Conselho da Fazenda já inventariada, v. Frazão, António, 1995.. O quadro legislativo de fundo são as Ordenações Filipinas, publicadas em 1603 e que vigorarão até ao Vintismo, muito embora tenham sido recorrentemente complementadas por leis extravagantes cujos originais são hoje de difícil localização por se encontrarem dispersos por inúmeros fundos documentais, não obstante serem replicados, ainda que com variantes, em diversas compilações de legislação.

Em todo o caso, através da análise do dispositivo legal atualmente disponível, e também através da observação casuística, sabemos que este organismo vocacionado para a litigância jurídica específica dos vínculos teria uma ligação intrínseca, possivelmente subsidiária, à Casa da Suplicação, tribunal superior vocacionado para as matérias de justiça3Camarinhas, 2014 e Hespanha, 1982, p. 338-345.. Não obstante, reconhecemos a existência, até uma fase tardia, de fluxos informacionais e até de uma certa sobreposição de funções, no que às capelas da Coroa diz respeito, que se verificaram com outros organismos da administração central como o Desembargo do Paço, a Casa da Relação do Porto, o Conselho da Fazenda, o Conselho Ultramarino e a Torre do Tombo4Só com o alvará de 2 de Dezembro de 1791 é que o Juízo das Capelas da Coroa passa a ser o único organismo competente para tomar as denúncias, processar e julgar as causas das capelas a que a Coroa tiver direito, corrigindo a sobreposição de competências de diversos organismos, in TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 117v-118v; Silva, Colecção da Legislação, 1830-1840, tomo 4, p. 42-43..

O alvará de 2 de Dezembro de 17915TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 117v-118v; Silva, Colecção da Legislação, 1830-1840, tomo 4, p. 42-43. faz referência à criação da Comissão do Juízo das Capelas da Coroa em 10 de Setembro de 1604 (cujo teor desconhecemos não obstante as pesquisas efectuadas), mas estamos em crer que o processo de criação do organismo conheceu várias etapas. Em todo o século XVII apenas se verificou um trabalho constante e regular com a comissão liderada por Tomé Pinheiro da Veiga, entre 1619 e 1643, e que ficou a dever-se ao empenho e à competência daquele magistrado (v. ficha da Comissão do Tombo das Capelas da Coroa). As fases posteriores são largamente subsidiárias do intenso labor então desenvolvido, como atestam o arrolamento e tombamento de 672 capelas e morgadios, assim como um extenso número de autos de petição, de denúncia, de sequestro de bens e de autos de posse que foram produzidos e transmitidos em bloco aos oficiais que sucederam à referida comissão depois de 1643. Ou seja, o Juízo das Capelas da Coroa foi construído a partir da prática desenvolvida pela Comissão de Tomé Pinheiro da Veiga. Não menos importante foi a legislação específica então produzida e cuja jurisprudência se constituiu como a base fundamental da acção do Juízo das Capelas da Coroa que terá um regimento consistente e consolidado apenas em 23 de Maio de 17756TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 111v-117v; Sousa, 1779, tomo 5, p. 544-582.. Até aí, o Juízo terá funcionado com o mesmo dispositivo legal da comissão liderada por Tomé Pinheiro da Veiga, cuja aplicação foi ordenada pelo decreto de 17 de Outubro de 1698, sendo certo que as nomeações de juízes, procuradores, solicitadores e escrivães continham instruções específicas e complementares para aplicação imediata e conjuntural.

Segundo o prólogo do alvará de 23 de Maio de 1775, após o fim da Comissão de Pinheiro da Veiga, prosseguiu-se a mesma diligência nomeando outros juízes da Casa da Suplicação, muito embora não se tivesse conservado a regularidade nos trabalhos e, inclusivamente, tivesse sido perdido o livro da recopilação das capelas e até o seu traslado. O número de capelas vagas tinha aumentado substancialmente devido à extinção das famílias dos instituidores, desconhecendo-se o estado de muitas delas e os seus bens andavam muito alienados. Muitos provedores e contadores das comarcas também não cumpriram o seu regimento deixando de tomar as contas das capelas e de de informar o Juízo sobre a necessidade de tomar posse das mesmas7TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 111v-117v; Sousa, 1779, tomo 5, p. 544-582..

Entre o que parecem ter sido duas primeiras comissões, entre 1604 e 1619 (v. ficha da Comissão do Tombo das Capelas da Coroa), com momentos intercalares de interrupção de actividade, o Juízo especializado parece ter estado em funcionamento permanente a partir de 1643 e até 1832, podendo reconhecer três fases distintas:

  1. A primeira entre 1643 e 1775, altura em que o organismo funcionou com o regimento do provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa e o dispositivo normativo e regulamentar da comissão de Pinheiro da Veiga, conforme atestam as ordens régias dimanadas no alvará de 1 de Dezembro de 16208TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 4-5. e renovadas pelo decreto de 17 de Outubro de 16989TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 14v. Veja-se alguns elementos essenciais para a caracterização desta fase em Borges, 2006, p. 211-272..
  2. a segunda fase, iniciada com o regimento do Juízo das Capelas da Coroa de 23 de Maio de 1775 e que termina em 25 de Outubro de 1828, data do decreto do rei D. Miguel que ordenou a transferência do Cartório das Capelas da Coroa para o Conselho da Fazenda, continuando o Juízo a ser responsável pelos processos em litígio10Decreto ordenando a remoção do Cartório do Juízo da Capelas da Coroa para o Conselho da Fazenda. 1828.10.25, publ. Frazão, 1995, p. 105-106.;
  3. a terceira entre 25 de Outubro de 1828 e 16 de Maio de 1832, data do decreto nº 24 com que Mouzinho da Silveira procedeu à Reforma das Justiças, extinguindo a Casa da Suplicação e os juízos privativos e especializados11Coleção de Decretos, 2ª série, 1834, p. 90-135.. De premeio, em 11 de Dezembro de 1830, foi criada uma Repartição das Capelas da Coroa no seio do Conselho da Fazenda, que esvaziou o Juízo das suas competências e submeteu o tratamento das denúncias das Capelas da Coroa ao critério fiscalista do mesmo Conselho12Frazão 1995, p. 107-108., o qual só seria extinto em 31 de Julho de 183313Coleção de Decretos, 3ª série, 1834, p. 2.

Documentos normativos (principais)

  • Regimento do provedor das capelas e resíduos de Lisboa de 6 de dezembro de 1564, com as alterações introduzidas pelo alvará de 15 de Março de 1566 e pelo alvará de 15 de Dezembro de 156614Lião, 1569, parte 1, tít. 15, leis I, II e III fls. 38v-40; 40v; 40v-41v); ver apenas o Regimento de 1564 em PMM4, p. 119-121.;
  • Alvará de 10 de Setembro de 1604 que cria o Juízo das Capelas da Coroa15Como referimos, apesar das diligências efectuadas, ainda não conseguimos localizar este alvará. O diploma é, apenas, citado no alvará de 2 de Dezembro de 1791. TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 118v-119; Silva, Colecção da Legislação, 1830-1840, tomo 4, p. 42-43.;
  • Alvará de 1 de Dezembro de 1620 ordenando a utilização do Regimento da Provedoria e a nomeação de tesoureiro16TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 4-5.;
  • Carta régia de 13 de Outubro de 1621 ordenando que se cumpra pontualmente os encargos da capelas sequestradas por conta dos seus rendimentos17TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 5.;
  • Carta régia de 1627 ordenando que as denúncias das capelas sejam efectuadas no período de um ano18TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 9-10.;
  • Carta régia de 28 de Novembro de 1628 ordenando que nenhum desembargador ou ministro da Comissão das Capelas possa denunciar para si, criados ou parentes até 4º grau qualquer capela19TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 7v-8.;
  • Decreto de 2 de Janeiro de 1651 proibindo os ministros e Juízes das Capelas da Coroa que não tomem conhecimento de nenhuma causa de capelas que possua a Igreja ou pessoas eclesiásticas até se tomar assento sobre este particular com os ministros de Sua Santidade20TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 10v-11.;
  • Decreto de 17 de Julho de 1679 ordenando ao Regedor da Casa da Suplicação que não sejam admitidas mais denúncias de capelas incorporadas na Coroa e que advirta ao Juiz e ao Procurador das Capelas que todos os anos devem saber quais são as capelas que estão incorporadas, quem as possui e por que título, tomando logo posse das que não apresentarem documento válido21TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 14.;
  • Decreto de 17 de Outubro de 1698 ordenando ao Juiz das Capelas que observe nas suas funções o que se ordenou ao doutor Tomé Pinheiro da Veiga por carta de 1 de Dezembro de 1620, nomeadamente a utilização do Regimento do Provedor das Capelas e a nomeação de tesoureiro22TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 14v.;
  • Decreto nº 24 de 16 de Maio de 1832, reformando as Justiças do Reino, extinguindo a Casa da Suplicação e os juízos privativos e especializados23Coleção de Decretos, 2ª série, 1834, p. 90-135..

Competências

Ao Juízo das Capelas da Coroa competia identificar todos os vínculos com administração vacante; tombar os seus bens; proceder à regularização das administrações sem título válido; criar e manter um registo atualizado do provimento de administrações dos vínculos, em articulação com os organismos da administração central e da administração periférica, laica e eclesiástica; ordenar o sequestro dos bens para a realização dos tombos; proferir sentenças e lavrar autos de posse dos vínculos25Ed. PMM4, p. 120. OF, liv. 1, tit. L (p. 93-95)..

Orgânica da instituição e funções dos seus agentes em temática vincular

Orgânica da instituição

O Juízo manteve uma estrutura orgânica reduzida entre 1643 e o final do século XVII. O rei nomeava um desembargador da Casa da Suplicação para Juiz das Capelas da Coroa, sendo que o regedor da Casa da Suplicação daria posse ao nomeado. O Juiz contava com o apoio do Procurador da Coroa e do Escrivão dos Feitos da Coroa que apesar de serem agentes exclusivamente vocacionados para a defesa dos direitos e prerrogativas da coroa, não cingiam a sua acção aos vínculos nem ao Juízo. Existia ainda um solicitador das Capelas da Coroa, nomeado pelo Desembargo do Paço, e um tesoureiro.

As funções dos seus agentes

Juiz das Capelas da Coroa
O cargo de Juiz das Capelas da Coroa, nomeado pelo rei, esteve transitoriamente anexado ao de Juiz dos Feitos da Coroa e ao de Juiz da Fazenda, devendo o Regedor da Casa da Suplicação dar posse ao detentor do cargo45Alvará de nomeação de Manuel Gameiro de Barros para Juiz das Capelas da Coroa. 1660.07.13. TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 11v..

Competia ao Juiz informar, com a maior particularidade possível, todas as capelas que havia no reino averiguando as que estavam vagas, quem fora o último possuidor, com que título as administrou e quem sucedeu nessa mesma administração depois ter sido incorporada na Coroa. Deveria remeter os rendimentos caídos ao cofre que existia para esse fim. Era também sua obrigação averiguar as capelas que estão providas de administração, devendo utilizar para este efeito os papéis que ficaram de Tomé Pinheiro da Veiga46Decreto ordenando ao doutor António Barbosa Bacelar que averiguasse as capelas da Coroa. 1662.09.06. (TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 12-12v.) Idênticas instruções são enviadas a João de Roxas de Azevedo no alvará da sua nomeação para Juiz das Capelas da Coroa. 1663.03.15 (TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 13-13v)..

O Regimento do Provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa (1564), transposto para as Ordenações Filipinas, que como referimos foi adoptado pelo alvará de 1 de Dezembro de 1620 e pelo decreto em 17 de Outubro de 1698, determinava as seguintes competências deste magistrado a nível vincular:

  • Capelas
    • Conhecer as suas instituições47Ed. PMM4, p. 119; OF, liv. 1, tit. 50, prólogo.;
    • Tomar conta das suas rendas e encargos48Ed. PMM4, p. 119; OF, liv. 1, tit. 50, prólogo.;
    • Julgar os processos sobre as capelas e sua administração49Ed. PMM4, p. 120; OF, liv. 1, tit. 50, §1.;
    • Emitir sentenças interlocutórias e finais pertencentes a estas instituições e, inclusivamente, sobre dúvidas surgidas na prestação de contas, embora impondo-lhe o limite (alçada) de quatro mil reais nos pleitos sobre bens de raiz e seis mil reis nos bens móveis, montantes até aos quais eles poderiam julgar sem apelo nem agravo50Ed. PMM4, p. 120..
    • Demarcar e medir os seus bens e propriedades51Ed. PMM4, p. 120; OF, liv. 1, tit. 50, §2.;
    • Mandar tombar o referido património em livro de tombo, com os traslados das instituições52Ed. PMM4, p. 120.;
    • Elaborar anualmente um caderno das capelas providos pelo provedor e dos tombos começados, devendo enviar os referidos cadernos aos Desembargadores do Paço53Ed. PMM4, p. 120; OF, liv. 1, tit. 50, §3.;
  • Morgadios
    • Conhecer as suas instituições54Ed. PMM4, p. 119; OF, liv. 1, tit. 50, prólogo.;
    • Tomar conta das suas rendas e encargos55Ed. PMM4, p. 119; OF, liv. 1, tit. 50, prólogo.;
    • Julgar os processos sobre os seus encargos e respetivas contas56Ed. PMM4, p. 120; OF, liv. 1, tit. 50, §1.;

Procurador dos Feitos da Coroa
Competia-lhe representar os interesses da Coroa nos pleitos e demandas, bem como defender a sua jurisdição. O Procurador dos Feitos da Coroa representava o rei, por seu mandado específico, e os seus interesses nos feitos que envolvessem a Coroa cabendo-lhe, nomeadamente, requerer aos desembargadores do Paço, vedores da Fazenda, contadores, Juízes, almoxarifes e quaisquer outros oficiais todas as informações que houvessem dos direitos reais; representar o monarca nos feitos que se tratarem perante os Juízes dos Feitos da Coroa ou que se houvesse de ordenar por razão das jurisdições, bens e direitos régios; deveria efectuar inquirições em nome do rei; e ser autor, réu, opoente ou assistente nos feitos e causas que envolvessem vínculos57OF, Liv. I, tít. XII, p. 39-41..

Escrivão dos Feitos da Coroa
De acordo com o Regimento do Provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa (1564) competia aos escrivães redigir instrumentos pertencentes «às coisas» de capelas, encargos de morgados, hospitais, albergarias e confrarias. Encarregavam-se igualmente da escrituração das apelações que se davam do provedor, bem como da solicitação para o seu despacho junto das instâncias superiores de recurso58Ed. PMM4, p. 121, atualizada em OF, liv. 1, tit. 50, §16..

O Escrivão dos Feitos da Coroa59No cartório do Juízo das Capelas da Coroa, que está a ser inventariado no âmbito da tese de doutoramento de Abel Rodrigues, observámos que a instrução dos processos de denúncia de capelas, tombos e restantes demandas judiciais esteve acometida a Pedro Lamirante que foi proprietário do ofício de “Escrivão da Coroa e dos Padroados” entre 1620 e 1644. (Alvará concedendo licença a Pedro Lamirante para renunciar o ofício em seu filho. 1644.03.04. TT, Registo Geral de Mercês, Mercês da Torre do Tombo, livro 9, fol. 121-122)., que exerceu funções no Juízo das Capelas da Coroa durante a segunda metade de Seiscentos, tinha a seu cargo guardar os feitos e fazer inventário dos mesmos, dando-os a consultar ao Procurador da Coroa para serem desembargados; fazer todas as cartas de qualquer desembargo para se tirarem inquirições e dá-las a assinar ao Juiz ou a quem houvesse de as assinar e, depois, ao solicitador para as fazer selar60OF, Liv. 1, tít. XXIII, § 1, p. 59.; fazer assinar as sentenças definitivas que, depois, passariam pela Chancelaria e seriam trasladadas num livro. Daria as sentenças depois de executadas ao Guarda-mor da Torre do Tombo para serem trasladadas em livro próprio61OF, Liv. 1, tít. XXIII, § 2, p. 59.. O escrivão dos Feitos da Coroa daria traslados dos feitos, sendo mandado pelo Juiz62OF, Liv. 1, tít. XXIII, § 3. p. 59-60.; assim como faria os traslados dos tombos dos vínculos63Alvará de 1 de Dezembro de 1620, como aditamento às instruções anteriores, ordenando a utilização do Regimento da Provedoria e a nomeação de tesoureiro (TT, Conselho da Fazenda, Livro do registo das leis, decretos e mais papéis,  liv. 476, fol. 4-5)..

Tesoureiro
Seria “pessoa confidente” e teria a seu cargo o livro de receita e despesa do Juízo.

Relações com outras instituições sobre temática vincular

Ao nível da administração central, é de realçar o contacto directo com o Rei, vértice superior do sistema regulador, a quem competia a definição desse mesmo sistema fosse em matéria de nomeação de agentes, fosse na emissão de normativas que definiam o funcionamento do Juízo ou, ainda, na atribuição directa de mercês de administração de capelas, ouvindo ou não o Desembargo do Paço. O rei deveria ser informado das capelas vagas, nos moldes definidos no regimento do Provedor das Capelas64Lião, 1569, parte 1, tít. 15, leis I, II e III fls. 38v-40; 40v; 40v-41v); ver apenas o Regimento de 1564 em PMM4, p. 119-121..

O trabalho anual desenvolvido pelos provedores no provimento de capelas e na elaboração dos tombos deveria ser registado em cadernos e enviados ao Desembargo do Paço, dando conta de tudo o que foi feito65Ed. PMM4, p. 120 e OF, Liv. 1, tit. 50, § 3 (p. 93-94)., atendo a que ao Desembargo do Paço competia despachar as petições de graça, requeridas ao rei, em causas que à Justiça possa tocar66OF, Liv. 1, tit. III, prólogo..

Ainda segundo o Regimento do Provedor das Capelas e Resíduos de Lisboa (1564) as sentenças dadas pelo Provedor e, como tal do Juiz das Capelas da Coroa, sobre as administrações, encargos pios dos vínculos e respetivas contas eram passíveis de recurso apelações e agravos para a Casa da Suplicação, sendo necessário dois desembargadores para produzir uma sentença final, devendo o escrivão enviar os processos originais e nunca o seu traslado67Ed. PMM4, p. 120; OF, Liv. 1, tit. L, §16 (p. 95).

A partir de 1621, todas as sentenças dadas em favor da Coroa deveriam ser registadas na Torre do Tombo68Ordem para o guarda-mor mandar guardar na Torre do Tombo todas as sentenças dadas e que ao diante se derem em favor da Coroa. 1621.08.26 (TT, Arquivo do Arquivo, Avisos e Ordens, mç. 1, n.º 1), sendo certo que uma parte substancial das sentenças proferidas pelo Juízo das Capelas da Coroa foi trasladada por certidão autenticada nos Livros do Registo do Arquivo69TT, Arquivo do Arquivo, Livros do Registo. Acessível em: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4436389 (consulado em 20.04.2022)..

Ao nível da administração periférica foi mantido o canal de comunicação com os provedores e contadores das comarcas, responsáveis por todas acções relacionadas com gestão da administração das capelas da coroa, nomeadamente a identificação das mesmas e o sequestro de bens para realização de tombo. São estes agentes os responsáveis pelo fornecimento de traslados de testamentos e de outros documentos fundacionais de vínculos e autos de contas de capelas, por vezes em posse de instituições eclesiásticas, bem como a requisição de demais documentos que estivessem em falta nos arquivos do Juízo e que lhes fosse requisitado pelo Juiz das Capelas da Coroa. Compete-lhes, também, tomar posse e colocar em arrecadação os bens dos vínculos e liderar a equipa que procederá à realização dos tombos70OF, Liv. 1, tit LXII, especialmente do §39 ao §66 (p.125-130).